Ambliopia (olho preguiçoso): causas, diagnóstico e tratamento

Última atualização em 26 de outubro de 2024 por Victor

A ambliopia, popularmente conhecida como “olho preguiçoso”, é uma condição oftalmológica que afeta aproximadamente 2-3% das crianças e representa uma das principais causas de perda visual na infância. Esta condição se caracteriza pela redução da acuidade visual em um ou ambos os olhos, mesmo com a melhor correção óptica possível.

O diagnóstico e tratamento precoces são fundamentais, pois a condição tem maior chance de reversão quando identificada nos primeiros anos de vida. 

Se não tratada adequadamente, a ambliopia pode resultar em perda permanente da visão, impactando significativamente o desenvolvimento da criança e sua qualidade de vida futura.

O que é ambliopia

A ambliopia é uma alteração neurológica do desenvolvimento visual que ocorre quando o cérebro não processa adequadamente as informações recebidas de um ou ambos os olhos. 

Tecnicamente, define-se como uma diferença de duas ou mais linhas na acuidade visual entre os olhos, ou uma acuidade visual abaixo da esperada para a idade, mesmo após a melhor correção óptica possível.

Esta condição se desenvolve durante o período crítico do desenvolvimento visual, geralmente nos primeiros anos de vida, quando as conexões entre os olhos e o córtex visual do cérebro estão se formando. 

É importante ressaltar que na ambliopia, o olho em si pode estar anatomicamente normal, sendo o problema principalmente relacionado ao processamento cerebral das informações visuais.

Sistema visual e desenvolvimento

O sistema visual humano se desenvolve gradualmente desde o nascimento até aproximadamente os 8-10 anos de idade, com o período mais crítico ocorrendo nos primeiros 3 anos de vida. Durante este período, as conexões neurais entre os olhos e o cérebro são estabelecidas e refinadas através da estimulação visual adequada.

Para um desenvolvimento visual normal, é necessário que ambos os olhos recebam imagens claras e focadas, e que estas imagens possam ser adequadamente alinhadas e fundidas pelo cérebro. Qualquer interferência neste processo durante o período crítico pode resultar em ambliopia.

Impacto na visão

A ambliopia pode afetar diversos aspectos da função visual, causando impactos significativos na vida diária da criança.

  • Redução da acuidade visual
  • Diminuição da sensibilidade ao contraste
  • Prejuízo na visão estereoscópica (3D)
  • Dificuldade na percepção de profundidade
  • Alterações na coordenação olho-mão
  • Problemas na velocidade de leitura
  • Impacto no desempenho escolar

Estas alterações podem persistir ao longo da vida se não tratadas adequadamente, afetando escolhas profissionais e atividades cotidianas que requerem boa visão binocular.

Tipos de ambliopia

A ambliopia pode ser classificada em três tipos principais, cada um com características e causas específicas: estrábica, refrativa e por privação. O entendimento do tipo específico é fundamental para determinar a abordagem terapêutica mais adequada.

Ambliopia estrábica

A ambliopia estrábica ocorre quando há um desalinhamento dos olhos (estrabismo), levando o cérebro a suprimir a imagem do olho desviado para evitar a visão dupla. É o tipo mais comum de ambliopia, representando aproximadamente 50% dos casos.

Nesta condição, o cérebro desenvolve um mecanismo de defesa, ignorando ativamente as informações do olho desviado, o que resulta em um desenvolvimento visual inadequado deste olho. Quanto maior o tempo de supressão, mais significativa se torna a perda visual.

Ambliopia refrativa

A ambliopia refrativa ocorre quando há uma diferença significativa no erro refrativo entre os dois olhos (anisometropia) ou quando ambos os olhos apresentam erros refrativos elevados não corrigidos. Nestes casos, o cérebro prioriza a imagem mais nítida, suprimindo a mais borrada.

Este tipo de ambliopia pode ser particularmente difícil de detectar precocemente, pois a criança frequentemente não apresenta sintomas evidentes, já que um dos olhos pode estar funcionando adequadamente. É comum ser descoberta apenas em exames de rotina ou triagem escolar.

Ambliopia por privação

A ambliopia por privação resulta de uma obstrução no eixo visual que impede a formação de imagens nítidas na retina durante o período crítico do desenvolvimento visual. As causas mais comuns incluem catarata congênita, ptose palpebral (queda da pálpebra) e opacidades corneanas.

Este é o tipo mais grave de ambliopia e requer intervenção urgente, pois a privação de estímulos visuais durante o período crítico do desenvolvimento pode resultar em déficits visuais permanentes. O prognóstico está diretamente relacionado à precocidade do diagnóstico e tratamento.

Diagnóstico

O diagnóstico da ambliopia requer uma avaliação oftalmológica completa e deve ser realizado o mais precocemente possível, preferencialmente antes dos 7 anos de idade, quando o sistema visual ainda está em desenvolvimento.

Avaliação inicial

A avaliação inicial deve incluir uma anamnese detalhada, investigando fatores de risco como história familiar de problemas visuais, prematuridade e intercorrências durante a gestação ou parto. É fundamental avaliar também o desenvolvimento neuropsicomotor da criança e seu comportamento visual.

Em crianças muito pequenas, a observação do comportamento visual e dos reflexos pupilares pode fornecer informações importantes. Sinais como desalinhamento ocular, inclinação anormal da cabeça ou dificuldade para fixar e seguir objetos devem alertar para a possibilidade de ambliopia.

Exames específicos

A avaliação específica inclui uma série de exames que devem ser adaptados à idade e capacidade de cooperação da criança. O objetivo é quantificar a acuidade visual, identificar possíveis causas da ambliopia e avaliar a integridade das estruturas oculares.

Testes de acuidade visual

Em crianças pré-verbais, utilizam-se métodos objetivos como o teste do olhar preferencial e potenciais visuais evocados. Estes testes permitem uma avaliação aproximada da função visual mesmo em bebês e crianças muito pequenas.

Para crianças em idade verbal, são utilizadas tabelas de acuidade visual adaptadas, como optotipos de figuras ou a tabela de “E” direcional. A escolha do método depende da idade e do nível de desenvolvimento da criança.

Avaliação oftalmológica completa

A avaliação oftalmológica deve incluir exame da motilidade ocular, teste de cobertura para estrabismo, refração sob cicloplegia e exame de fundo de olho. Esta avaliação permite identificar a causa da ambliopia e eventuais condições associadas.

Em alguns casos, podem ser necessários exames complementares como topografia corneana, tomografia de coerência óptica ou outros exames específicos, dependendo dos achados clínicos e da suspeita diagnóstica.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial da ambliopia inclui diversas condições que podem causar baixa visão na infância. É fundamental distinguir entre ambliopia funcional, que tem potencial de melhora com tratamento adequado, e causas orgânicas de baixa visão, que geralmente não respondem ao tratamento oclusivo.

Entre as condições que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial estão as distrofias retinianas, neuropatias ópticas congênitas, alterações maculares e erros refrativos não corrigidos. A presença de nistagmo, por exemplo, pode sugerir uma causa orgânica para a baixa visão.

A avaliação cuidadosa e sistemática, incluindo história clínica detalhada e exame oftalmológico completo, é essencial para estabelecer o diagnóstico correto e definir a melhor estratégia terapêutica. Em alguns casos, pode ser necessária avaliação neurológica complementar.

Tratamento

O tratamento da ambliopia deve ser individualizado, considerando o tipo e gravidade da condição, a idade do paciente e sua capacidade de cooperação. A intervenção precoce é fundamental para maximizar as chances de recuperação visual, uma vez que a plasticidade neural diminui com a idade.

Abordagem por idade

O tratamento deve ser adaptado à idade do paciente, com estratégias específicas para cada faixa etária, considerando o período crítico do desenvolvimento visual e a capacidade de colaboração da criança.

IdadeAbordagem PrincipalDuração MédiaPrognóstico
0-3 anosCorreção da causa baseContínuoExcelente
3-5 anosOclusão intensiva6-12 mesesMuito bom
5-7 anosOclusão + farmacologia12-18 mesesBom
7-12 anosTratamento agressivo18-24 mesesRegular
>12 anosIndividualizadoVariávelReservado

Métodos terapêuticos

O tratamento da ambliopia envolve diferentes métodos que podem ser utilizados isoladamente ou em combinação, dependendo das características específicas de cada caso. A escolha do método deve considerar não apenas a eficácia, mas também a adesão ao tratamento e o impacto na qualidade de vida do paciente.

Oclusão ocular

A oclusão ocular, ou terapia de oclusão, é o método mais tradicional e eficaz para o tratamento da ambliopia. Consiste na oclusão do olho dominante por um período determinado, forçando o uso do olho amblíope e estimulando o desenvolvimento das conexões neurais correspondentes.

O tempo de oclusão varia de acordo com a idade do paciente e a gravidade da ambliopia, podendo ser desde algumas horas por dia até oclusão em tempo integral. É fundamental o acompanhamento regular para ajustar o regime de oclusão e evitar ambliopia reversa no olho ocluído.

Tratamento farmacológico

O tratamento farmacológico mais comum utiliza atropina para provocar cicloplegia no olho dominante, borramento da visão e consequente estímulo do olho amblíope. Esta abordagem é particularmente útil em casos de baixa adesão à oclusão ou como tratamento complementar.

A atropina tem a vantagem de ser mais aceita socialmente que o tampão ocular, especialmente em crianças mais velhas. No entanto, requer monitoramento cuidadoso dos efeitos colaterais e da resposta ao tratamento.

Correção óptica

A correção óptica adequada é fundamental e frequentemente representa o primeiro passo no tratamento da ambliopia. Deve ser prescrita após refração sob cicloplegia, considerando a idade do paciente e as características específicas do erro refrativo.

O uso consistente da correção óptica pode, em alguns casos, ser suficiente para melhorar a acuidade visual, especialmente em ambliopias refrativas leves. Em casos mais graves, serve como base para outros métodos terapêuticos.

Prevenção e prognóstico

A prevenção da ambliopia baseia-se principalmente na detecção precoce através de exames oftalmológicos regulares desde o nascimento. O teste do reflexo vermelho, realizado na maternidade, representa a primeira oportunidade de identificar alterações que possam levar à ambliopia.

O prognóstico está diretamente relacionado à idade de início do tratamento e à adesão às recomendações terapêuticas. Quanto mais precoce a intervenção, melhores são as chances de recuperação visual completa.

Casos diagnosticados após os 7 anos de idade têm prognóstico mais reservado, embora estudos recentes indiquem que algum grau de melhora ainda é possível em pacientes mais velhos, desde que adequadamente tratados.

Grupos especiais

Determinados grupos de pacientes requerem atenção especial no diagnóstico e tratamento da ambliopia, necessitando de protocolos específicos e acompanhamento mais frequente.

Crianças prematuras

Crianças prematuras apresentam risco aumentado para desenvolvimento de ambliopia, necessitando de acompanhamento oftalmológico mais rigoroso desde o nascimento. Fatores como retinopatia da prematuridade e suas sequelas podem complicar o diagnóstico e tratamento.

Histórico familiar

Pacientes com histórico familiar positivo para ambliopia ou estrabismo devem ser monitorados mais intensivamente, pois apresentam risco aumentado de desenvolver a condição. O exame oftalmológico deve ser realizado precocemente e repetido com maior frequência.

Comorbidades

Pacientes com alterações neurológicas, síndromes genéticas ou outras comorbidades sistêmicas podem apresentar maior dificuldade no diagnóstico e tratamento da ambliopia, necessitando de abordagem multidisciplinar e adaptações nos protocolos terapêuticos.

Acompanhamento

O acompanhamento regular é essencial para o sucesso do tratamento da ambliopia, permitindo ajustes terapêuticos e monitoramento da evolução visual.

Monitoramento do tratamento

O monitoramento deve ser sistemático e documentado, com avaliações periódicas da acuidade visual e resposta ao tratamento.

  1. Avaliação inicial detalhada
  2. Medidas mensais de acuidade visual
  3. Ajuste do regime terapêutico conforme resposta
  4. Documentação da evolução
  5. Avaliação de efeitos colaterais
  6. Orientação contínua aos pais

O sucesso do tratamento depende significativamente da adesão às recomendações e do suporte familiar adequado.

Critérios de alta

A alta do tratamento deve ser considerada quando a acuidade visual do olho amblíope se mantiver estável por pelo menos seis meses, com diferença interocular mínima ou ausente. É importante considerar também a idade do paciente e o risco de recorrência.

Durante o período de observação após a suspensão do tratamento, devem ser realizadas avaliações periódicas para garantir a manutenção dos resultados obtidos. A frequência destas avaliações pode ser gradualmente reduzida se a acuidade visual permanecer estável.

Mesmo após a alta, recomenda-se manter acompanhamento anual até a adolescência, pois existe risco de recorrência da ambliopia, especialmente em casos de descompensação do erro refrativo ou do alinhamento ocular.

Em que idade deve ser iniciado o tratamento da ambliopia?

O tratamento deve começar o mais cedo possível, idealmente antes dos 7 anos, quando o sistema visual ainda está em desenvolvimento.

O uso de óculos sozinho pode curar a ambliopia?

Em alguns casos de ambliopia leve refrativa sim, mas na maioria dos casos é necessário combinar com outros tratamentos como oclusão ocular.

Por quanto tempo meu filho precisará usar o tampão?

O tempo varia de acordo com a gravidade, geralmente de algumas horas por dia até oclusão em tempo integral, por períodos que podem durar meses.

A ambliopia pode voltar depois de tratada?

Sim, existe risco de recorrência, especialmente se houver mudanças no grau dos óculos ou desalinhamento ocular, por isso é importante manter o acompanhamento.

É possível tratar ambliopia em adultos?

O tratamento em adultos tem resultados limitados, pois o período ideal para tratamento é durante a infância, quando o sistema visual ainda está em desenvolvimento.

Referências 

1. Mohan, Kanwar; Saroha, Vandana; Sharma, Ashok (2004). Successful Occlusion Therapy for Amblyopia in 11- to 15-Year-Old Children. Journal of Pediatric Ophthalmology & Strabismus. Vol. 41, No. 2. DOI: 10.3928/0191-3913-20040301-08