A ceratite herpética é uma infecção viral da córnea que representa uma das principais causas de cegueira evitável no mundo. É caracterizada por episódios recorrentes que podem afetar diferentes camadas da córnea, desde o epitélio até o endotélio, exigindo abordagens terapêuticas específicas para cada manifestação.
O manejo adequado desta condição requer diagnóstico preciso e tratamento direcionado, pois suas diferentes apresentações clínicas demandam intervenções distintas. O pronto reconhecimento e início do tratamento apropriado são fundamentais para reduzir a morbidade ocular e preservar a visão.
O que é ceratite herpética
A ceratite herpética é uma doença ocular causada principalmente pelo vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1), caracterizada por infecções recorrentes da córnea. Após a infecção inicial, geralmente subclínica, o vírus permanece latente no gânglio trigêmeo, podendo reativar-se periodicamente devido a diversos fatores desencadeantes.
O processo de reativação viral pode resultar em diferentes manifestações clínicas, desde infecções superficiais até comprometimento profundo do tecido corneano. Esta variabilidade de apresentações torna o manejo da doença desafiador, exigindo do oftalmologista conhecimento específico para cada forma de manifestação.
Definição e agentes causadores
A ceratite herpética é uma inflamação da córnea causada predominantemente pelo HSV-1 (e raramente pelo HSV-2), pertencentes à família dos alfaherpesvírus humanos.
São vírus de DNA de fita dupla que expressam glicoproteínas específicas responsáveis pela entrada viral e fusão com a membrana celular, tendo predileção pelo tecido corneano e capacidade de estabelecer latência nos nervos sensoriais.
Epidemiologia e impacto na saúde ocular
Estima-se que 67% da população mundial entre 0-49 anos tenha sido exposta ao HSV-1. A incidência da ceratite herpética em países desenvolvidos varia entre 10 e 30 casos por 100.000 habitantes por ano, com prevalência de 149 por 100.000.
O impacto visual é significativo, com aproximadamente 11% dos pacientes desenvolvendo acuidade visual inferior a 20/200 no olho afetado, representando um custo anual substancial para os sistemas de saúde.
Fatores de risco e transmissão
A transmissão ocorre por contato direto com secreções contaminadas através das membranas mucosas. Após a infecção primária, diversos fatores podem desencadear a reativação viral:
- Exposição prolongada à luz UV;
- Trauma ocular ou cirurgia;
- Estresse físico ou emocional;
- Imunossupressão sistêmica ou local;
- Febre ou infecções sistêmicas;
- Uso de corticosteroides tópicos;
- Menstruação;
- Fadiga extrema.
Manifestações clínicas principais
A ceratite herpética pode se manifestar de diferentes formas, afetando várias camadas da córnea. As apresentações variam desde infecção epitelial superficial até comprometimento profundo do estroma e endotélio, podendo associar-se a uveíte anterior. O padrão de acometimento determina a abordagem terapêutica e o prognóstico visual.
Infecção primária e suas características
A infecção primária geralmente ocorre na infância e pode ser assintomática ou manifestar-se como uma conjuntivite folicular aguda autolimitada. Características principais:
- Vesículas palpebrais que ulceram;
- Conjuntivite folicular;
- Adenopatia pré-auricular;
- Ceratite epitelial pontuada;
- Blefarite;
- Lacrimejamento;
- Fotofobia;
- Hiperemia conjuntival.
Tipos de acometimento recorrente
As recorrências representam a reativação do vírus latente e podem manifestar-se de diferentes formas, variando em gravidade e profundidade do acometimento corneano. Veja a tabela:
Forma clínica | Características principais | Tratamento básico |
Ceratite epitelial | Lesões dendríticas ou geográficas | Antiviral tópico |
Ceratite estromal | Infiltrados e edema estromal | Antiviral + corticoide |
Endotelite | Edema localizado com precipitados | Antiviral + corticoide |
Ceratopatia neurotrófica | Úlcera oval persistente | Lubrificantes e proteção |
Sinais e sintomas característicos
Os sinais e sintomas variam conforme o tipo de acometimento corneano, mas alguns achados são particularmente importantes para o diagnóstico. Confira esta lista essencial:
- Sensação de corpo estranho;
- Fotofobia moderada a intensa;
- Lacrimejamento;
- Hiperemia conjuntival;
- Diminuição da sensibilidade corneana;
- Lesões dendríticas características;
- Edema estromal localizado ou difuso;
- Precipitados ceráticos (em casos de endotelite).
Diagnóstico da ceratite herpética
O diagnóstico da ceratite herpética é primariamente clínico, baseado na história do paciente e nos achados do exame biomicroscópico. A apresentação típica de lesões dendríticas é praticamente patognomônica, mas outras formas de apresentação podem exigir investigação complementar.
Para casos atípicos ou resistentes ao tratamento, a confirmação laboratorial torna-se importante para direcionar a terapêutica adequada. O diagnóstico precoce e preciso é fundamental para prevenir complicações e sequelas visuais permanentes.
Avaliação clínica na lâmpada de fenda
O exame biomicroscópico detalhado revela características específicas que auxiliam no diagnóstico. Principais aspectos a serem observados:
- Integridade do epitélio corneano;
- Presença de lesões dendríticas ou geográficas;
- Profundidade do acometimento corneano;
- Presença de edema estromal;
- Precipitados ceráticos endoteliais;
- Reação de câmara anterior;
- Pressão intraocular.
Exames laboratoriais disponíveis
A confirmação laboratorial pode ser necessária em casos atípicos ou resistentes ao tratamento. Os principais métodos diagnósticos são:
Método | Sensibilidade | Especificidade | Tempo resultado |
PCR | Até 100% | 71,4% | 24-48h |
Cultura viral | 80% | 100% | 7-10 dias |
Imuno-histoquímica | 80% | 60-70% | 4-24h |
Citologia | 70% | 95% | 1-4h |
Diagnóstico diferencial importante
É essencial considerar outras condições que podem mimetizar a ceratite herpética, especialmente em apresentações atípicas. Os principais diagnósticos diferenciais incluem ceratite por herpes zoster, infecção por Acanthamoeba (especialmente em usuários de lentes de contato), ceratites bacterianas, fúngicas, e alterações corneanas da tirosinemia.
Tratamento moderno da ceratite herpética
O tratamento da ceratite herpética evoluiu significativamente nas últimas décadas, com o desenvolvimento de antivirais mais eficazes e melhor compreensão do papel dos corticosteroides. O manejo deve ser individualizado, considerando a forma de apresentação clínica e a profundidade do acometimento corneano.
A escolha terapêutica adequada depende da classificação correta da manifestação clínica. Infecções epiteliais requerem apenas antivirais, enquanto formas estromais ou endoteliais podem necessitar da combinação de antivirais com corticosteróides.
Antivirais tópicos e sistêmicos
O tratamento antiviral é fundamental no manejo da ceratite herpética, sendo necessário adequar a via de administração e posologia conforme a apresentação clínica. Veja as principais opções:
Medicamento | Via | Posologia | Indicação principal |
Aciclovir pomada | Tópica | 5x/dia | Ceratite epitelial |
Ganciclovir gel | Tópica | 5x/dia | Ceratite epitelial |
Aciclovir | Oral | 400mg 5x/dia | Casos graves/sistêmicos |
Valaciclovir | Oral | 1g 2x/dia | Alternativa ao aciclovir |
Foscarnet | Tópica | 2h/2h | Resistência ao aciclovir |
Manejo das complicações
O manejo das complicações da ceratite herpética requer abordagem específica para cada situação. Em casos de ceratite estromal com inflamação significativa, o uso de corticosteróides tópicos deve ser sempre associado a antivirais profiláticos para prevenir a reativação viral.
A presença de defeitos epiteliais persistentes ou úlceras neurotróficas demanda cuidados especiais, incluindo lubrificação intensa, lente de contato terapêutica e, em alguns casos, tarsorrafia temporária. Complicações como perfuração corneana podem exigir procedimentos cirúrgicos de urgência.
Prevenção de recorrências
A prevenção de recorrências é um aspecto crucial no manejo a longo prazo. Confira as medidas essenciais:
- Uso profilático de antivirais orais em casos selecionados;
- Evitar fatores desencadeantes identificados;
- Monitoramento regular da pressão intraocular;
- Proteção contra radiação UV;
- Hidratação adequada da superfície ocular;
- Acompanhamento oftalmológico regular;
- Orientação sobre sinais de alarme.
Prognóstico e acompanhamento
O prognóstico visual depende da forma de apresentação, precocidade do diagnóstico, adequação do tratamento e frequência das recorrências. Aproximadamente 40% dos pacientes experimentam 2-5 recidivas ao longo da vida, sendo que 11% podem ter entre 6-15 episódios.
Fatores que influenciam o resultado visual
O resultado visual final é influenciado por diversos fatores importantes:
- Tempo entre início dos sintomas e tratamento;
- Profundidade do acometimento corneano;
- Número de recorrências;
- Presença de cicatrizes no eixo visual;
- Desenvolvimento de neovascularização;
- Resposta ao tratamento instituído;
- Estado imunológico do paciente;
- Adesão às medidas preventivas.
Quando encaminhar ao especialista
O encaminhamento ao especialista em córnea deve ser considerado em casos de ceratite estromal ou endotelial, doença resistente ao tratamento convencional, ulcerações persistentes, complicações como perfuração iminente, ou quando há necessidade de transplante de córnea.
Cuidados continuados necessários
O acompanhamento contínuo é essencial para o sucesso terapêutico a longo prazo. Sugestão de cronograma:
Período | Frequência de Avaliações |
Semana 1 | A cada 2-3 dias |
Semana 2-4 | Semanal |
Mês 2-3 | Quinzenal |
Mês 4-12 | Mensal |
Após 12 meses | Trimestral ou conforme necessidade |
A ceratite herpética tem cura?
Não existe cura definitiva, pois o vírus permanece latente no organismo. No entanto, os episódios agudos podem ser tratados efetivamente com antivirais, controlando os sintomas e prevenindo danos à visão.
Como a ceratite herpética é transmitida?
A transmissão ocorre por contato direto com secreções contaminadas através das membranas mucosas. Após a primeira infecção, o vírus permanece no organismo e pode se reativar periodicamente.
Quais são os sintomas da ceratite herpética?
Os principais sintomas incluem sensação de corpo estranho no olho, fotofobia, lacrimejamento, vermelhidão, embaçamento visual e, em alguns casos, dor ocular.
A ceratite herpética é contagiosa?
Sim, durante a fase ativa da infecção. O contato direto com secreções de lesões ativas pode transmitir o vírus. Após a cicatrização das lesões, não há risco de contágio.
O que é ceratite estromal herpética?
É uma forma mais profunda da infecção, que afeta a camada média da córnea (estroma). É mais grave que a forma superficial e pode causar cicatrizes permanentes, necessitando de tratamento com antivirais e, frequentemente, corticoides.