Última atualização em 18 de outubro de 2024 por Victor
O glaucoma congênito é uma condição ocular rara, mas potencialmente devastadora, que afeta recém-nascidos e crianças pequenas. Caracteriza-se pelo desenvolvimento anormal do sistema de drenagem do olho, levando a um aumento da pressão intraocular que pode causar danos irreversíveis ao nervo óptico e, consequentemente, à visão.
O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são cruciais para preservar a visão e garantir o desenvolvimento saudável da criança.
No entanto, identificar e manejar o glaucoma congênito apresenta desafios únicos, desde a detecção dos sinais sutis em bebês até a realização de procedimentos cirúrgicos delicados em olhos em desenvolvimento.
Entenda o glaucoma congênito
Compreendendo o glaucoma congênito
O glaucoma congênito é uma doença ocular caracterizada pelo aumento anormal da pressão intraocular (PIO) presente ao nascimento ou que se desenvolve nos primeiros anos de vida.
Esta condição resulta de uma malformação no sistema de drenagem do humor aquoso, o fluido que circula dentro do olho, levando ao seu acúmulo e consequente aumento da pressão ocular.
Diferentemente do glaucoma em adultos, o glaucoma congênito pode causar não apenas danos ao nervo óptico, mas também alterações estruturais no olho em crescimento.
O aumento da PIO pode levar à expansão do globo ocular (buftalmia), opacificação da córnea e desenvolvimento de estrias na membrana de Descemet, conhecidas como estrias de Haab.
Tipos e classificação
O glaucoma congênito pode ser classificado em diferentes tipos, dependendo da idade de início e das características associadas. Os principais tipos incluem:
- Glaucoma congênito primário: presente ao nascimento ou nos primeiros meses de vida
- Glaucoma infantil: desenvolve-se entre 1 e 24 meses de idade
- Glaucoma juvenil: surge após os 3 anos de idade
- Glaucoma secundário: associado a outras condições oculares ou sistêmicas
Além disso, o glaucoma congênito pode ser parte de síndromes mais amplas, como a síndrome de Axenfeld-Rieger ou a aniridia. A classificação precisa é crucial para determinar a abordagem terapêutica mais adequada e o prognóstico a longo prazo.
Causas e fatores de risco
O glaucoma congênito resulta principalmente de um desenvolvimento anormal das estruturas de drenagem do olho durante a gestação. Embora a causa exata nem sempre seja identificável, vários fatores genéticos e ambientais podem contribuir para o seu surgimento, incluindo mutações genéticas específicas e exposição a certos agentes teratogênicos durante a gravidez.
Desenvolvimento anormal do sistema de drenagem ocular
Durante a gestação, o desenvolvimento do sistema de drenagem ocular é um processo complexo e delicado. Fatores que podem interferir nesse desenvolvimento incluem exposição materna a substâncias tóxicas, infecções intrauterinas e condições metabólicas maternas mal controladas, como diabetes gestacional.
Estudos têm mostrado que a exposição a certos medicamentos durante a gravidez, como anticonvulsivantes e alguns antibióticos, pode aumentar o risco de malformações oculares, incluindo aquelas que levam ao glaucoma congênito.
Além disso, o uso de álcool e tabaco durante a gestação também tem sido associado a um maior risco de anomalias oculares no feto.
Genética e hereditariedade
A genética desempenha um papel significativo no desenvolvimento do glaucoma congênito. Mutações em genes específicos, como o CYP1B1 e o LTBP2, têm sido identificadas como causadoras de formas hereditárias da doença. O gene CYP1B1, em particular, é responsável por aproximadamente 20-40% dos casos de glaucoma congênito primário.
Além disso, estudos familiares têm demonstrado um padrão de herança autossômico recessivo em muitos casos, o que significa que ambos os pais devem ser portadores do gene mutado para que a criança desenvolva a doença.
A identificação dessas mutações genéticas não apenas ajuda no diagnóstico, mas também permite o aconselhamento genético para famílias afetadas, auxiliando na tomada de decisões reprodutivas futuras.
Sinais e sintomas
O reconhecimento precoce dos sinais e sintomas do glaucoma congênito é crucial para um diagnóstico oportuno e intervenção eficaz. Os sintomas podem variar em gravidade e manifestação, dependendo da idade de início e da rapidez com que a pressão intraocular aumenta.
É importante que pais, cuidadores e profissionais de saúde estejam atentos a estas manifestações, pois o diagnóstico precoce pode fazer uma diferença significativa no prognóstico visual da criança.
A tríade clássica: lacrimejamento, fotofobia e blefaroespasmo
A tríade clássica de sintomas do glaucoma congênito consiste em:
- Lacrimejamento excessivo
- Fotofobia (sensibilidade à luz)
- Blefaroespasmo (contração involuntária das pálpebras)
Lacrimejamento excessivo
O lacrimejamento excessivo, também conhecido como epífora, é frequentemente um dos primeiros sinais notados pelos pais. Este sintoma ocorre devido ao aumento da produção de lágrimas em resposta ao desconforto ocular causado pela elevação da pressão intraocular.
É importante notar que o lacrimejamento excessivo pode ter outras causas em bebês, como obstrução do ducto nasolacrimal. No entanto, quando associado a outros sinais do glaucoma congênito, torna-se um indicador significativo da condição.
Fotofobia
A fotofobia, ou sensibilidade excessiva à luz, é outro sintoma proeminente do glaucoma congênito. As crianças afetadas podem demonstrar desconforto em ambientes bem iluminados, fechando os olhos ou virando a cabeça para evitar a luz direta.
Este sintoma está relacionado às alterações na córnea causadas pelo aumento da pressão intraocular. A córnea pode se tornar edemaciada e opaca, aumentando a dispersão da luz e causando desconforto visual. A fotofobia pode ser particularmente notável em ambientes externos ou sob luz artificial intensa.
Blefaroespasmo
O blefaroespasmo, caracterizado por contrações involuntárias das pálpebras, é uma resposta reflexa ao desconforto ocular causado pela elevação da pressão intraocular. As crianças com glaucoma congênito podem apresentar um piscar frequente ou manter os olhos semicerrados.
Este sintoma é muitas vezes uma tentativa do corpo de proteger os olhos do desconforto e da sensibilidade à luz. O blefaroespasmo persistente pode ser um sinal de alerta importante, especialmente quando observado em conjunto com lacrimejamento excessivo e fotofobia.
Desafios no diagnóstico precoce
O diagnóstico precoce do glaucoma congênito apresenta desafios significativos devido à natureza sutil dos sintomas iniciais e à dificuldade de realizar exames oftalmológicos detalhados em recém-nascidos e bebês.
A falta de cooperação do paciente, a necessidade de equipamentos especializados e a variabilidade normal no desenvolvimento ocular infantil podem complicar a identificação precisa da condição.
Além disso, muitos dos sinais podem ser confundidos com outras condições oculares pediátricas, tornando crucial a expertise de oftalmologistas pediátricos especializados.
Exame oftalmológico neonatal
O exame oftalmológico neonatal é fundamental para a detecção precoce do glaucoma congênito.
Este exame deve ser realizado por um oftalmologista pediátrico experiente e inclui várias etapas específicas para avaliar a saúde ocular do recém-nascido. Os componentes essenciais deste exame incluem:
- Inspeção externa dos olhos e anexos
- Avaliação do reflexo vermelho
- Medição do diâmetro corneano
- Exame da transparência corneana
- Avaliação da pressão intraocular (quando possível)
- Oftalmoscopia para examinar o nervo óptico (quando possível)
Exames complementares e sua importância
Exames complementares desempenham um papel crucial no diagnóstico preciso e no acompanhamento do glaucoma congênito.
Estes testes fornecem informações detalhadas sobre a estrutura e função ocular, permitindo uma avaliação mais completa da condição. Os principais exames complementares utilizados incluem:
- Tonometria: para medir a pressão intraocular
- Ultrassonografia ocular: para avaliar o comprimento axial do olho
- Gonioscopia: para examinar o ângulo de drenagem do olho
- Tomografia de coerência óptica (OCT): para avaliar a estrutura do nervo óptico
- Exame sob anestesia: para uma avaliação mais detalhada em casos difíceis
Abordagens terapêuticas
O tratamento do glaucoma congênito é primariamente cirúrgico, visando reduzir a pressão intraocular e prevenir danos adicionais ao nervo óptico.
A abordagem terapêutica deve ser individualizada, considerando a idade do paciente, a gravidade da condição e a presença de outras anomalias oculares. O objetivo principal é preservar a visão e promover o desenvolvimento visual normal da criança.
Cirurgias: goniotomia e trabeculotomia
A goniotomia é uma técnica cirúrgica frequentemente utilizada como primeira linha de tratamento para o glaucoma congênito. Neste procedimento, uma pequena incisão é feita na malha trabecular para melhorar a drenagem do humor aquoso.
A goniotomia é particularmente eficaz em casos diagnosticados precocemente e requer uma córnea suficientemente clara para visualização adequada do ângulo de drenagem.
A trabeculotomia, por outro lado, é uma técnica alternativa que pode ser empregada quando a córnea está opaca ou em casos onde a goniotomia não foi bem-sucedida.
Neste procedimento, um instrumento especial é usado para abrir o canal de Schlemm a partir do exterior do olho, criando uma nova via de drenagem para o humor aquoso. A trabeculotomia tem a vantagem de poder ser realizada mesmo quando a visualização interna do olho é limitada.
Tratamento medicamentoso e seu papel
Embora a cirurgia seja o pilar do tratamento do glaucoma congênito, o manejo medicamentoso desempenha um papel importante, especialmente no período pré e pós-operatório.
Os medicamentos tópicos, como colírios, são utilizados para controlar a pressão intraocular e complementar o tratamento cirúrgico.
Os betabloqueadores, como o timolol, são comumente prescritos devido à sua eficácia e perfil de segurança relativamente bom em crianças. Inibidores da anidrase carbônica, tanto tópicos quanto sistêmicos, também podem ser utilizados para reduzir a produção de humor aquoso.
Em alguns casos, análogos de prostaglandinas podem ser considerados, embora seu uso em crianças ainda seja objeto de debate devido aos potenciais efeitos colaterais.
É crucial ressaltar que o tratamento medicamentoso isolado raramente é suficiente para controlar o glaucoma congênito a longo prazo.
Seu papel principal é auxiliar no controle da pressão intraocular antes da cirurgia e como terapia adjuvante após procedimentos cirúrgicos, quando necessário. A adesão ao tratamento e o monitoramento cuidadoso dos efeitos colaterais são essenciais, especialmente em pacientes pediátricos.
Acompanhamento e manejo a longo prazo
O manejo do glaucoma congênito não termina com a intervenção cirúrgica inicial. É necessário um acompanhamento rigoroso e a longo prazo para monitorar a pressão intraocular, avaliar o desenvolvimento visual e detectar precocemente quaisquer complicações ou necessidade de intervenções adicionais.
Este acompanhamento contínuo é crucial para garantir o melhor resultado possível para a visão e o desenvolvimento geral da criança.
Monitoramento da pressão intraocular em crianças
O monitoramento da pressão intraocular em crianças com glaucoma congênito é um desafio devido à falta de cooperação do paciente e à necessidade de técnicas especializadas. O processo geralmente segue os seguintes passos:
- Preparação do ambiente: criar um ambiente calmo e amigável para a criança.
- Escolha do método: optar por tonometria de não contato ou tonometria de Goldmann modificada.
- Distração da criança: utilizar brinquedos ou vídeos para manter a atenção da criança.
- Posicionamento: ajustar a posição da criança de forma confortável.
- Aplicação de anestésico tópico: se necessário, para tonometria de contato.
- Realização da medição: rapidamente e com precisão.
- Repetição: realizar múltiplas medições para garantir consistência.
- Registro dos resultados: documentar cuidadosamente as leituras obtidas.
Impacto na vida da criança e da família
O diagnóstico e tratamento do glaucoma congênito têm um impacto significativo não apenas na criança afetada, mas em toda a dinâmica familiar. A condição requer cuidados contínuos, múltiplas consultas médicas e, muitas vezes, intervenções cirúrgicas repetidas.
Isso pode gerar estresse emocional, financeiro e logístico para os pais e cuidadores, além de afetar o desenvolvimento social e educacional da criança.
Aspectos psicossociais e qualidade de vida
As crianças com glaucoma congênito podem enfrentar desafios únicos em seu desenvolvimento psicossocial. A necessidade de tratamentos frequentes, possíveis limitações visuais e a aparência diferenciada dos olhos podem afetar a autoestima e as interações sociais.
É comum que essas crianças experimentem ansiedade relacionada aos procedimentos médicos e possam ter dificuldades na escola devido a problemas visuais.
O suporte psicológico tanto para a criança quanto para a família é essencial. Grupos de apoio, terapia familiar e aconselhamento individualizado podem ajudar a lidar com os desafios emocionais e práticos associados ao glaucoma congênito.
Avanços e perspectivas futuras
Os avanços recentes no campo da oftalmologia pediátrica têm trazido novas esperanças para o tratamento do glaucoma congênito. Técnicas cirúrgicas minimamente invasivas estão sendo desenvolvidas, visando reduzir o trauma cirúrgico e melhorar os resultados a longo prazo.
Além disso, a aplicação de tecnologias de imagem avançadas, como a tomografia de coerência óptica de alta resolução, está permitindo um diagnóstico mais precoce e um monitoramento mais preciso da progressão da doença.
No campo da genética, pesquisas em andamento estão identificando novos genes associados ao glaucoma congênito, o que pode levar a terapias direcionadas no futuro. A terapia gênica emerge como uma possibilidade promissora, com estudos preliminares mostrando resultados encorajadores em modelos animais.
Outra área de pesquisa em expansão é o desenvolvimento de dispositivos de drenagem biocompatíveis e ajustáveis, que poderiam oferecer um controle mais preciso e duradouro da pressão intraocular em pacientes pediátricos.
Essas inovações, combinadas com avanços em farmacologia ocular, têm o potencial de transformar significativamente o manejo do glaucoma congênito nas próximas décadas.
A importância da conscientização e triagem neonatal
A conscientização sobre o glaucoma congênito entre profissionais de saúde, pais e cuidadores é crucial para o diagnóstico precoce e o tratamento eficaz. Programas educacionais direcionados a pediatras, enfermeiros e outros profissionais de saúde da atenção primária podem melhorar significativamente a detecção precoce da condição.
A implementação de programas de triagem oftalmológica neonatal abrangentes é fundamental para identificar casos de glaucoma congênito o mais cedo possível. Estes programas devem incluir não apenas o teste do reflexo vermelho, mas também avaliações mais detalhadas da córnea e da pressão intraocular em bebês de alto risco.
Além disso, campanhas de saúde pública podem ajudar a educar a população geral sobre os sinais de alerta do glaucoma congênito, incentivando os pais a buscar avaliação oftalmológica precoce ao notar qualquer anormalidade nos olhos de seus bebês.
O que causa o glaucoma congênito?
O glaucoma congênito é geralmente causado por um desenvolvimento anormal do sistema de drenagem do olho durante a gestação. Isso pode ser devido a fatores genéticos ou problemas durante o desenvolvimento fetal.
Como enxerga uma pessoa com glaucoma congênito?
Uma pessoa com glaucoma congênito pode ter visão embaçada, sensibilidade à luz e dificuldade para enxergar objetos periféricos. A gravidade da visão depende do estágio da doença e da eficácia do tratamento.
Qual o sintoma de glaucoma infantil?
Os sintomas comuns do glaucoma infantil incluem olhos lacrimejantes, sensibilidade à luz (fotofobia), olhos aumentados (buftalmia), córneas opacas e piscar excessivo.
É possível ter glaucoma e não ficar cego?
Sim, é possível ter glaucoma congênito e não ficar cego, especialmente se a condição for diagnosticada e tratada precocemente. O tratamento adequado e o acompanhamento regular podem ajudar a preservar a visão.
Como saber se o bebê tem glaucoma?
Sinais de glaucoma em bebês podem incluir olhos grandes, córneas opacas, lacrimejamento excessivo e sensibilidade à luz. Um exame oftalmológico completo é essencial para o diagnóstico.
O que acontece com o olho com glaucoma?
No glaucoma congênito, a pressão intraocular aumentada pode causar danos ao nervo óptico, aumento do tamanho do olho, opacidade da córnea e, se não tratado, pode levar à perda progressiva da visão.
Referências e Bibliográfia
*Conforme a mais recente classificação adotada pela comunidade médica em 2013, o termo glaucoma infantil reúne diferentes condições congênitas ou adquiridas que levam ao preenchimento de pelo menos dois dos seguintes cinco critérios: pressão ocular aumentada, alteração do cumprimento (tamanho do globo ocular), alteração do campo visual, alterações da cabeça do nervo óptico e a presença de alterações específicas da córnea ou diâmetro aumentado em pacientes menores de 18 anos.
Diversas condições podem levar a dito quadro clínico, algumas derivadas de quadros sistêmicos (que afetam o corpo todo) e outras apenas limitadas ao olho, inclusive podem ser secundárias à cirurgia de catarata (congênita), trauma, uso de medicações que aumentam a pressão ocular, inflamação, etc.
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