Última atualização em 14 de fevereiro de 2024 por
Os avanços na maneira como avaliamos o tecido retiniano por imagem são fundamentais para as atuais mudanças de paradigma no diagnóstico e manejo clínico de diversas doenças oftalmológicas, assim como na compreensão de sua fisiopatogenia. A análise de um amplo espectro de diferentes modalidades de imagens retinianas é essencial para a prática oftalmológica moderna, tornando-se hoje o melhor modelo de cuidado para o manejo bem-sucedido das doenças retinianas
Temos disponíveis diversas tecnologias que possibilitam aquisição de imagens bi- e tridimensionais da retina, proporcionando valiosas informações acerca de estrutura anatômica, função e dinâmica vascular do tecido. Destas modalidades, podemos citar: a fotografia colorida do fundo do olho (retinografia); a reflectância com comprimento de luz próxima ao infravermelho; a autofluorescência de fundo; a angiografia fluoresceínica; a angiografia com indocianina verde; a oftalmoscopia através da varredura a laser (com ou sem óptica adaptativa); a tomografia de coerência óptica (OCT); e, mais recentemente, a angio-OCT (OCTA). Cada modalidade apresenta vantagens e desvantagens, e demandam um conjunto de habilidades específicas por parte do examinador, para se atingir o melhor resultado de aquisição e interpretação das imagens. No entanto, quando analisadas em conjunto, aumenta-se a sensibilidade e especificidade do diagnóstico.
Atualmente, o termo “avaliação multimodal” tem sido cada vez mais frequente nos estudos clínicos, destacando a importância de se combinar múltiplas modalidades de imagem para o diagnóstico de doenças retinianas. Muito antes de ser utilizado para designar técnicas de imagem em oftalmologia, especialidades como oncologia, radiologia e cardiologia já utilizavam a multimodalidade de imagem em sua rotina, sendo definido como a integração de dois ou três métodos de imagem para otimizar o diagnóstico, guiar o tratamento e predizer desfechos.
Em resumo, a avaliação multimodal em oftalmologia consiste na utilização de mais de um método de aquisição ou de avaliação de imagem, de maneira concomitante ou espaçadas de um curto período, gerando-se informações complementares para o diagnóstico, prognóstico, tratamento e seguimento de determinada doença. Isto inclui aparelhos híbridos que possibilitam o estudo de mais de uma modalidade de imagem. Por exemplo, um retinógrafo que adquire fotografias coloridas da retina é capaz de registrar também a autofluorescência do fundo ao serem adicionados filtros de excitação e emissão específicos, e dessa forma passa a ser considerado uma plataforma multimodal. De maneira semelhante, sistemas comerciais que combinam OCTA e OCT “B-scans” utilizam diferentes tecnologias e proporcionam o estudo de aspectos anatômicos correspondentes, como fluxo sanguíneo e análise estática das diferentes camadas estruturais do tecido retiniano, podendo, pois, também ser considerados plataformas multimodais. Portanto, quando obtemos diferentes modalidades de imagens da retina, utilizando tecnologias complementares, estejam elas no mesmo aparelho ou não, estamos diante de uma abordagem multimodal.
Na oftalmologia em geral, é incomum o médico se basear em apenas uma modalidade de imagem para determinar diagnóstico e tratamento. Ao contrário, muitos escolhem mais de uma técnica para determinada situação clínica. No entanto, para se obter sucesso na condução clínica de determinado paciente, é fundamental conhecermos as vantagens e desvantagens dos diferentes exames de imagem dos quais eventualmente lançaremos mão, a fim de optarmos o melhor método para cada caso. Devido à considerável sobreposição de informações fornecidas por algumas modalidades diagnósticas, é importante que o médico saiba selecionar um número mínimo de exames que possibilite chegar ao desfecho de cada caso, a fim de se evitar gastos financeiros e desconfortos desnecessários para o paciente.
Há diversas situações clínicas cuja propedêutica e compreensão vêm sendo otimizadas pela abordagem multimodal. O espectro fenotípico das doenças retinianas hereditárias, como é o caso das distrofias de cones, por exemplo, vem sendo amplamente expandido. Pacientes apresentando coloração dourada da retina à retinografia padrão, associado a atrofia das camadas externas maculares na OCT e atrofia em alvo (“bull’s eye”) na autofluorescência de fundo indicam possível distrofia de fotorreceptores ou mutação no gene RPGR (Figura 1). Já pacientes com apenas discreto defeito central na camada elipsoide à OCT, sem quaisquer outras alterações retinográficas ou de autofluorescência, devem ser geneticamente avaliados para a presença de mutação no gene RP1L1.
A análise multimodal possibilitou também a identificação de distúrbios maculares que afetam as camadas intermediárias da retina e que estão associados isquemia do plexo capilar profundo retiniano. Como exemplo, podemos citar as lesões características da maculopatia média aguda paracentral (PAMM), melhor identificadas por meio da OCT de domínio espectral e da reflectância com comprimento de luz próximo ao infravermelho. Mais recentemente, a OCTA confirmou a presença de lesões isquêmicas no plexo capilar profundo associadas a estas lesões. Além disso, a multimodalidade possibilitou a melhor compreensão do espectro das paquicoroides incluindo a epiteliopatia pigmentar paquicoroide (Figura 2), a neovasculopatia paquicoroide, e a vasculopatia polipoidal, importantes entidades recentemente acrescentadas ao espectro das doenças retinianas graças à multimodalidade.
Por fim, além da avaliação multimodal auxiliar no diagnóstico e conduta de patologias, ela também exerce papel fundamental de protagonismo no nosso entendimento dos mecanismos fisiopatológicos das variadas doenças da retina, aprimorando o entendimento e cuidado clínico dos nossos pacientes.