Recomendações sobre Cicloplegia e Midríase em Crianças

Última atualização em 14 de fevereiro de 2024 por

O exame oftalmológico pediátrico é, indiscutivelmente, um exame que exige bastante dedicação por parte do oftalmologista, devido a sua alta complexidade. Existem dificuldades em relação à colaboração, concentração, falta de entendimento do próprio exame e, por que não acrescentar, instilação de colírios. A dificuldade se intensifica quando é necessário dilatar ou cicloplegiar esses pacientes. Para a medição correta do estado refrativo das crianças, por exemplo, o relaxamento do músculo ciliar é imprescindível, através da cicloplegia. Diante disso, qual seria o melhor protocolo de cicloplegia para exame oftalmológico pediátrico? 

Para escolha adequada do agente cicloplégico/midriático, devem ser feitas algumas considerações como dosagem ideal, posologia de instilação, indicações para uso e efeitos colaterais potenciais. 

No Brasil, os únicos medicamentos disponíveis comercialmente são tropicamida 1% , ciclopentolato 1%, atropina 0,5% e 1% – todos parassimpaticolíticos, atuando no músculo esfíncter da pupila e no músculo ciliar –, além da fenilefrina 10%, uma droga simpaticomimética que atua no músculo dilatador da íris. A tropicamida tem efeito máximo de midríase de 20- 35 minutos e de cicloplegia, entre 30-45 minutos, podendo durar até 6 horas. O ciclopentolato varia de 30-40 minutos até seu efeito máximo de midríase e 30-60 minutos para cicloplegia, durando até 24 horas. Já a atropina alcança midríase máxima em 30 minutos, cicloplegia em 1-3h, podendo durar até 12 dias. A fenilefrina, por sua vez, promove midríase máxima em 1 hora, com duração de efeito até 6 horas. 

Embora o benefício de um exame sob cicloplegia/midríase seja inquestionável, ainda existe certa dificuldade nessa prática em crianças. Essas confusões podem levar a limitações na busca de um exame preciso e podem potencialmente atrasar a identificação de patologias e consequentemente, seu tratamento. 

Por essa razão é fundamental nos basearmos em um protocolo, auxiliando na forma mais adequada de se obter cicloplegia e midríase na população pediátrica. Para tal, podemos lançar mão das Diretrizes Brasileiras para Cicloplegia e Midríase em Criança. Esta diretriz foi desenvolvida com base na literatura médica, na experiência clínica de especialistas brasileiros (obtida por meio de questionários) e no consenso do Comitê de Especialistas da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP). 

Lembrando que, para classificação do nível de evidência e a força das recomendações, foi usado o seguinte método: O nível I foi baseado em dois ou mais ensaios clínicos randomizados (RCTs) de alta qualidade. O nível II foi baseado em um pequeno número de RCTs; em mais de um estudo controlado, mas não randomizado; em mais de um RCT de qualidade inferior; em estudos de coorte ou caso-controle, preferencialmente de mais de um grupo de pesquisa ou mais de um centro; ou em observações de efeitos nítidos em estudos não controlados. O nível III foi baseado na opinião de especialistas, experiência clínica, estudos descritivos ou estudos de coorte ou caso-controle de qualidade inferior. 

As recomendações são: 

1. Uso de uma gota de proximetacaína 0,5% 30 segundos a 1 minuto antes da instilação do primeiro colírio midriático / cicloplégico (Nível de Recomendação II). 

2. O uso de duas gotas de tropicamida 1% com intervalo de 0–5 minutos é recomendado para menores de 6 meses (Nível de Recomendação II; Tabelas 1 e 2). 

3. Uso de uma gota de ciclopentolato 1% mais uma gota de tropicamida 1% para obter um efeito cicloplégico ideal em crianças maiores de 6 meses (Nível de Recomendação II). Observação: Não se recomenda o uso de atropina 1% ou ciclopentolato 1% em crianças menores de 6 meses. Para maiores de 6 meses de idade, o uso de atropina 1% ou ciclopentolato 1% é seguro, exceto em alguns cenários em que o risco é um pouco maior, como em pacientes com síndrome de Down, problemas neurológicos, histórico de convulsões ou glaucoma de ângulo fechado. (Nível de recomendação III). 

4. Considerando a falta de evidências fortes sobre o tempo de intervalo ideal, este Comitê de Especialistas aceita um intervalo entre as gotas de ciclopentolato e tropicamida de 0–5 minutos e um intervalo para o exame de 30–40 minutos após a primeira gota (Nível de Recomendação III). 

5. Uso de uma gota de fenilefrina 2,5%, além do protocolo regular, sempre que a avaliação da periferia retiniana for necessária ou na presença de midríase pobre (Nível de Recomendação II). 

6. Para a avaliação da ROP em bebês prematuros, recomenda-se o uso de uma gota de proximetacaína 0,5%, seguida por uma única gota de fenilefrina 2,5% e duas ou três gotas de tropicamida 0,5% ou 1,0% com 5 minutos de intervalo. O exame deve ser realizado pelo menos 30–40 minutos após a primeira gota. (Nível de recomendação III). 

7. A atropina 1% pode ser usada como alternativa para cicloplegia em pacientes com espasmos de acomodação ou com suspeita de componente acomodativo residual não revelado pelo protocolo padrão. (Nível de Recomendação III). O uso de atropina 1% duas vezes ao dia durante 3 dias parece ser uma posologia razoável para cumprir essa meta (Nível de Recomendação III). 

É importante destacar que, apesar de raros, esses agentes apresentam efeitos colaterais. Sobre a atropina, são descritos febre, taquicardia, convulsões e Delirium. O ciclopentolato tem um mecanismo de ação semelhante à atropina e, portanto, efeitos colaterais sistêmicos semelhantes, além de efeitos oculares, como aumento da pressão intraocular, ceratite e turvação visual. A tropicamida também pode apresentar complicações sistêmicas como reações alérgicas, sonolência e irritabilidade. Já a fenilefrina a 10% pode cursar com hipertensão sistêmica. 

Recomenda-se que, além de usar a dosagem adequada, seja aplicada pressão no saco nasolacrimal, após adicionar as gotas cicloplégicas/midriáticas, visando reduzir os efeitos colaterais sistêmicos. 

Além disso, lembre-se de agendar uma consulta com um oftalmologista para que esse profissional tire suas dúvidas.

Fonte: 

Major, E., Dutson, T., & Moshirfar, M. (2020). Cycloplegia in Children: An Optometrist’s Perspective. Clinical optometry, 12, 129–133. https://doi.org/10.2147/OPTO.S217645 

Diretrizes brasileiras para cicloplegia e midríase em criança (SBOP)