Você provavelmente já foi abordado com a irrecusável proposta de: “Exame de vista grátis”, andando pelas ruas… Mas você sabia que a consulta oftalmológica é muito mais do que o exame de grau para óculos?
A consulta se inicia antes mesmo do paciente falar de sua queixa. Algumas doenças, que afetam também o olho, se manifestam com achados clínicos, como as deformidades articulares, lesões cutâneas, outras vezes observa-se diretamente as alterações oculares, que podem ou não ser o motivo do atendimento, como vermelhidão nos olhos, lacrimejamento excessivo, um desvio ocular (estrabismo), já dando ao oftalmologista dicas do porquê o paciente encontra-se em seu consultório.
Porém, uma das partes mais importantes do exame chama-se anamnese. Ela consiste na coleta da história do paciente e todas as suas nuances. A partir dela o conhecemos como um todo: seu historico clínico e a queixa que o levou a consulta.
Todos os dados são importantes em uma consulta médica: histórico de doenças, medicamentos que faz uso, histórico familiar de doenças, histórico pessoal de procedimentos (cirúrgicos ou não), o local onde mora, hábitos de vida, contato com animais de estimação… tudo nos ajuda a fechar o diagnóstico e conduzir nosso raciocínio. Portanto, não omita informações: deixe a cargo do seu médico filtrar o que ele considera relevante para o seu diagnóstico e tratamento!
Doenças sistêmicas como a hipertensão arterial e o diabetes, muito prevalentes em nossa população, quando mal controladas, podem trazer repercussões que vão desde alterações no grau até quadros graves e que podem levar a cegueira.
Outras comorbidades, como a simples alergia em adolescentes associada ao hábito de coçar os olhos, pode predispor ou agravar quadros de ectasias corneanas, como o ceratocone. Quadros familiares, como a distrofia endotelial de Fuchs e o glaucoma, têm caráter genético e precisam de uma atenção maior e um seguimento adequado.
Seguindo adiante na avaliação oftalmológica, partimos para o exame físico que possui alguns elementos essenciais: ectoscopia da região ocular, avaliação de motilidade ocular, acuidade visual, exame biomicroscópico, tonométrico e fundoscópico. Alguns outros exames são necessários quando há suspeita de condições clínicas que necessitem de mais dados para seu esclarecimento, mas falaremos de todos eles adiante.
A ectoscopia consiste na avaliação da região ocular a olho nu, ou seja, olhando e avaliando a região ocular sem auxílio de instrumentos. Lembra que no início deste texto citei que o exame já se inicia com o paciente adentrando ao consultório? Porém, aqui essa avaliação se faz de maneira detalhada.
Lesões cutâneas não são comuns e, quando presentes, podem nos direcionar a diagnóstico específicos como, por exemplo, herpes, a depender do quadro apresentado e queixa. Cataratas em estágios avançados também podem ser percebidas nesta parte do exame – mas certamente necessitarão de uma avaliação mais aprofundada em aparelhagem específica. A ectoscopia não se restringe à região ocular, podendo ser observadas outras alterações na superfície corpórea do paciente a depender da clínica e queixa apresentadas.
Através da avaliação da motilidade ocular pode ser observado a presença do chamado estrabismo ou desvio ocular. Essa condição pode estar presente desde a infância ou mesmo representando um quadro adquirido de origem neurológica, associado ao diabetes mellitus mal controlado ou até mesmo a doença na tireoide.
Nessa etapa do exame identificamos ainda os desvios latentes, que recebem o nome técnico de forias, que se pronunciam ao se realizar manobras específicas e que podem ser a causa daquela dor de cabeça chata do paciente que o acompanha ao fim de sua jornada de trabalho. Posições viciosas de cabeça – pendente para um dos lados, por exemplo – também são diagnosticadas nesta parte do exame e podem ser reflexo de uma diminuição da força em um dos músculos que movimentam nosso globo ocular, levando a uma compensação dessas musculaturas com as posições.
Chegamos à parte mais conhecida do exame, a acuidade visual. Com base nela podemos avaliar a quantidade de visão que o paciente apresenta e seu melhor potencial visual ao utilizar uma correção óptica, ou seja, óculos. Um fato importante neste exame é que nem todo paciente que possui grau necessita de sua correção, ou seja, nem todo mundo precisa de óculos!
O nosso olho é uma “câmera fotográfica” cujas “lentes” e outras estruturas internas podem sofrer alterações capazes de interferir na imagem final. De fato, existem situações em que a visão não pode ser corrigida com os óculos ou que cursam com rápida progressão e alteração do grau inicialmente observado. Quadros de catarata, por exemplo, ao progredirem alteram o grau do paciente dando inclusive a falsa percepção de melhora visual para perto.
Outros, como o diabetes, pode também interferir no exame quando o açúcar do sangue não se encontra em seu devido controle. Nesses casos, os óculos em poucos meses poderão perder sua validade, quadro esse passível de esclarecimento ao paciente evitando gastos desnecessários. Portanto, nem sempre a melhor opção são os óculos!
Os próximos passos do exame seguem com o auxílio de um instrumento imprescindível na oftalmologia – a lâmpada de fenda. Possuímos em nosso blog um texto dedicado a este instrumento que você pode conferir, mas em linhas gerais é um microscópio destinado a avaliação detalhada e assertiva do olho. A partir da lâmpada de fenda realizamos a avaliação do segmento anterior e posterior do globo ocular, assim como da pressão intraocular.
No exame do segmento anterior, denominado biomicroscopia, avaliamos a saúde dos cílios, pálpebras, conjuntiva, esclera, córnea, câmara anterior, íris e cristalino. Queixas de olho vermelho, por exemplo, devem ser investigadas e não somente tratadas como conjuntivite, havendo inúmeros diagnósticos diferenciais passíveis de melhor esclarecimento quando lançamos mão desta parte do exame oftalmológico.
As possíveis causas, nestes casos, podem variar desde olho seco e irritado até lesões conjuntivais, presença de corpo estranho, triquíase, úlceras corneanas, inflamação ocular interna (uveítes), ou mesmo conjuntivite de fato. É importante a avaliação médica pois cada afecção possui um tratamento específico e, em determinados casos, alguns medicamentos, como o corticóide, podem agravar ainda mais o seu quadro.
Alterações corneanas, como a já citada distrofia endotelial de Fuchs, dentre outras, também são identificadas por este exame e fundamentais na elucidação das queixas e possíveis baixas de visão dos nossos pacientes. A catarata, mais prevalente na população mais idosa, também é vista nesta etapa da consulta, porém, é melhor avaliada quando as pupilas encontram-se dilatadas – em midríase.
Em midríase também é realizado o exame de fundo de olho, a fundoscopia. Entretanto, antes desse passo a aferição da pressão intraocular é imprescindível na avaliação de todo paciente. Quando elevada (hipertensão ocular) ou associada a alterações fundoscópicas específicas, podemos suspeitar de glaucoma.
Quadros de hipotensão, por sua vez, quando acompanhados de outros comemorativos clínicos, podem sugerir situações que demandam especial atenção por parte do médico, como descolamento de coroide, de retina, ou alguns tipos de uveítes. Os níveis de pressão normal estão na faixa de 9 a 21mmHg, e esta aferição se dá a partir de instrumentos denominados tonômetros.
O valor da pressão intraocular não deve ser analisadade maneira isolada, mas sim correlacionada para cada paciente com outras informações adquiridas durante o exame oftalmológico, além da história familiar e de eventuais exames complementares, ficando a cargo do médico interpretar e instituir o tratamento/acompanhamento da maneira mais específica e individualizada para cada paciente.
Chegamos à fundoscopia – avaliação das estruturas do fundo de olho –, podendo ser realizada na própria lâmpada de fenda (direta) ou através de um instrumento complementar chamado oftalmoscópio binocular indireto, o qual se assemelha a um “capacete” (indireta).
Como já mencionado, nesta etapa a dilatação da pupila possibilita avaliação mais detalhada de importantes estruturas do segmento posterior do olho, como o humor vítreo, o nervo óptico, os vasos sanguíneos e a retina. Mas todo paciente precisa dilatar? Depende de cada caso, e esta decisão fica a cargo do médico oftalmologista.
Ao final do exame físico, diversos outros exames complementares podem ser solicitados e realizados a depender da queixa e do motivo do atendimento. Como vocês podem perceber, apesar de pequeno, o olho humano é um órgão extremamente complexo e minucioso, e cuidar dele requer atenção e acompanhamento. Portanto, o exame médico oftalmológico é imprescindível à sua saúde!