Última atualização em 25 de abril de 2023 por Eyecare Health
Os tumores melanocíticos da conjuntiva podem ser vistos com alta frequência na prática clínica oftalmológica, sobretudo quando estamos falando das lesões benignas (como o nevo e a melanose racial). Entretanto, devido à elevada gravidade e mortalidade que envolvem os tumores melanocíticos malignos, é essencial ter atenção ao examinar as lesões e nunca negligenciar os diagnósticos diferenciais.
Os nevos são lesões planas ou pouco elevadas, circunscritas e bem delimitadas. Costumam surgir na conjuntiva bulbar interpalpebral perilimbar, mas também podem aparecer na carúncula ou em outros sítios (locais menos típicos, como fórnice e conjuntiva tarsal, devem aumentar o índice de suspeição para os outros diagnósticos diferenciais).
Geralmente surgem na infância e podem apresentar discreto aumento de tamanho e pigmentação (sobretudo durante a puberdade, levando inclusive a dúvida diagnóstica). Clinicamente, um achado típico, é a presença de cistos de inclusão epitelial na lesão – clássico sinal de benignidade. O diagnóstico torna-se mais difícil quando há ausência de pigmentação – são os chamados nevos amelanóticos, que podem ser conduzidos da mesma forma.
Os nevos devem ser acompanhados clinicamente, idealmente com fotodocumentação seriada, já que 5% dos melanomas advêm de um nevo. Quando submetidos à biópsia, podemos classificá-los em nevos juncionais (lesão confinada a junção epitélio-estroma), subepiteliais/estromais (não há componente juncional, a lesão está apenas no estroma) e compostos (combinação do juncional com o subepitelial; é o subtipo mais comum).
Tumores melanocíticos: entenda os principais diagnósticos
Melanose Racial
A melanose racial é uma lesão benigna, sem potencial de malignização. Surge em indivíduos melanodérmicos devido ao aumento de pigmento nos melanócitos morfologicamente normais. São lesões planas, bilaterais, perilimbares e circunferenciais, que costumam tornar mais evidentes as paliçadas de Vogt. Essas lesões também podem ser apenas acompanhadas/observadas.
Melanocitose Ocular Congênita
A melanocitose ocular congênita é uma condição congênita que afeta mais frequentemente negros, hispânicos e asiáticos. Apresenta-se de forma unilateral e tem três variantes clínicas: 1) a melanocitose ocular, que corresponde a presença de nevos azulados na episclera profunda e esclera; 2) a melanocitose dermal, que acomete a pele periorbitária; 3) a melanocitose oculodermal (nevo de Ota), que é a combinação da melanocitose ocular e da melanocitose dermal.
Clinicamente, podemos diferenciar essas lesões oculares através da mobilização da conjuntiva. Por serem lesões profundas (episclerais e esclerais), quando mobilizamos a conjuntiva, essas lesões não se movimentam, diferente do que ocorre com os nevos por exemplo.
Há associação entre a melanocitose ocular congênita com aumento da pigmentação trabecular e glaucoma pigmentar-like, tumores melanocíticos na órbita e meninges do nervo óptico e ao melanoma uveal. Não estão relacionadas ao melanoma de conjuntiva.
Melanose Primária Adquirida (PAM)
A melanose primária adquirida (PAM) é uma lesão caracteristicamente plana, difusa, hiperpigmentada, sem cistos de inclusão epitelial. Geralmente unilateral e localizada na conjuntiva bulbar interpalpebral perilimbar, mas também pode ser encontrada na superfície da córnea, fórnice e conjuntiva tarsal. Geralmente afeta indivíduos caucasianos de meia idade.
A melanose adquirida secundária tem características semelhantes, porém está associada a condições sistêmicas como: doença de Addison, radiação, gestação ou outra lesão conjuntival (geralmente epitelial).
Existem alguns fatores de mal prognóstico, são eles: grande extensão da lesão (maior que 3 horas), multifocalidade, sítios atípicos (carúncula, fórnice, conjuntiva tarsal, córnea), idade avançada e história de melanoma cutâneo.
A literatura é controversa quanto à possibilidade de observar ou necessidade de biopsiar tais lesões. Na presença de algum fator de mal prognóstico, o procedimento cirúrgico é recomendado. A biópsia pode ser excisional ou incisional em múltiplas pequenas áreas.
A análise histopatológica é necessária para diferenciação do PAM com atipia do PAM sem atipia, já que são lesões indistinguíveis clinicamente. O PAM sem atipia é constituído por melanócitos normais contidos na camada basal do epitélio e pode ser apenas observado, já que apresenta potencial pequeno de malignização. Entretanto, o PAM com atipia necessita de conduta intervencionista.
O PAM com atipia é composto por melanócitos com alterações citológicas e morfológicas (padrão epitelioide); apresenta disseminação pagetoide (acomete todo o epitélio) e deve ser submetido a exérese cirúrgica com margem de segurança, associado a crioterapia. Podemos também associar quimioterapia adjuvante com mitomicina nesses casos. Cerca de metade dos PAM com atipia apresenta transformação maligna para melanoma de conjuntiva, sendo então a principal lesão associada ao surgimento desse melanoma.
Melanoma de Conjuntiva
Finalmente, quando falamos de melanoma de conjuntiva, estamos falando de uma lesão tipicamente nodular/elevada, pigmentada, pouco móvel e bastante vascularizada. Como os nevos, também pode se apresentar de forma amelanótica, o que dificulta o diagnóstico clínico.
Epidemiologicamente, afeta mais indivíduos do sexo feminino, caucasianas, entre a 4ª e 7ª década de vida. São menos comuns que os melanomas uveais, porém estão associados a alta gravidade (mais semelhante ao melanoma cutâneo nesse aspecto). A taxa de mortalidade geral nesses casos é de 15-30%.
O local mais comum é na conjuntiva bulbar. Os locais atípicos (fórnice, carúncula, conjuntiva tarsal e margem palpebral) estão associados a pior prognóstico.
A maioria dos melanomas de conjuntiva advêm de um PAM com atipia (50-70%), porém também podem surgir de um nevo (5%). Os outros casos (25%) surgem sem identificação de uma lesão predisponente, são os chamados melanomas conjuntivais “de novo”.
A investigação de disseminação sistêmica é fundamental. Diferente dos melanomas uveais (que costumam apresentar metástase hematogênica), a principal forma de disseminação do melanoma de conjuntiva é por via linfática, tornando imperativo a avaliação dos linfonodos, sobretudo das cadeias pré-auricular e parotídea.
Quando a doença está restrita ao olho, sem invadi-lo, a conduta ideal é realização de biópsia excisional com margem de segurança através da técnica “no touch”, associada a crioterapia das margens. Podemos associar tratamento adjuvante com mitomicina. O acompanhamento por longo período é preciso devido ao risco de recidivas. Casos avançados podem necessitar de enucleação ou até exenteração.
A avaliação histopatológica pode identificar diferenciação fusiforme ou epitelioide e a análise imuno-histoquímica diferencia dos tumores epiteliais através dos marcadores específicos. O aumento do número de figuras de mitose e a profundidade da lesão são fatores prognósticos relevantes.
REFERÊNCIAS
- American Academy of Ophthalmology. 2020-2021 Basic and Clinical Science Course – External Disease and Cornea.
- American Academy of Ophthalmology. 2020-2021 Basic and Clinical Science Course – Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors.