Glaucoma Pigmentar

Última atualização em 14 de fevereiro de 2024 por

A Síndrome de Dispersão Pigmentar (SDP) e o Glaucoma Pigmentar são entidades de  fundamental importância para o conhecimento de todo oftalmologista, dada a sua  prevalência e as peculiaridades de sua apresentação clínica. Ao longo dessa revisão, revisitaremos tópicos importantes para a sua adequada identificação e tratamento.  

Introdução ao Glaucoma Pigmentar

Na década de 1940, Sugar (1949) descreveu o caso de dois pacientes do sexo masculino,  míopes com 29 e 33 anos cada que apresentaram quadro de degeneração do epitélio  pigmentar da íris e do corpo ciliar, importante deposição de pigmento nos espaços  trabeculares e a presença de fusos de Krukemberg. 

Ambos os pacientes detinham elevação da pressão intraocular (PIO), não possuíam estreitamento do seio camerular e  evoluíram com dano glaucomatoso. A partir desse trabalho, foi cunhado o termo Glaucoma Pigmentar (GP) para descrever esse padrão de glaucoma secundário à  dispersão pigmentar (SDP) (1). A SDP é caracterizada pelo acúmulo de pigmento no  endotélio corneano e na malha trabecular, além de defeitos na transiluminação iriana.  

Caso essas alterações da SDP levem a aumento da PIO e a neuropatia óptica  glaucomatosa, tem-se o GP (2) . Estima-se que haja uma conversão da SDP em GP em  cerca de 35-50% (3–5). Tanto a SDP quanto o GP são mais comuns em homens míopes além de surgirem por volta da 3ª década de vida e, a partir de então, decair em gravidade  e incidência (3). 

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FISIOPATOGENIA 

A SDP já foi relatada como tendo um padrão de herança autossômica dominante com  penetrância incompleta (6). Além disso, pontua-se que o GP também possui uma base  genética e pode ser hereditário. 

Variantes associadas a olhos com íris de cor clara ou  miópicos estão associadas a um risco maior de glaucoma pigmentar. Não foi observada  base genética compartilhada com o glaucoma primário de ângulo aberto (7).  

Alguns autores advogam que a causa da dispersão pigmentar seria fruto do atrito do  epitélio pigmentar da íris contra a zônula em função de um abaulamento posterior da  íris (8). Esses trabalhos pontuaram que os olhos mais acometidos pela SDP e pelo GP  apresentaram uma maior profundidade de câmara anterior o que tende a aumentar o  contato iridozonular (9). 

Essa característica explica a razão de a SDP ocorrer mais em  míopes e em homens, visto que ambos tendem a ter um diâmetro axial quando  comparados a seus opostos (10). Com o avançar da idade tem-se um aumento do  diâmetro ântero-posterior cristaliniano que direciona a íris periférica para longe da  região zonular, o que justifica a melhora da SDP com o avançar da idade (8). 

Os  pigmentos dispersos podem obstruir mecanicamente a malha trabecular e gerar  aumento da PIO, mas podem gerar também um comprometimento secundário nas  células endoteliais trabeculares em função dos componentes citotóxicos liberados  durante a fagocitose da melanina (5,11). 

CLÍNICA  

Pacientes com SDP podem apresentar achados típicos ao exame do segmento anterior.  À lâmpada de fenda, podem ser observados: Aumento da profundidade da câmara  anterior, fusos de Krukemberg (depósitos em formato de fuso vertical na região  posterior da córnea) e defeitos de transiluminação iriana. 

À gonioscopia, observa-se um  aumento homogêneo da pigmentação de toda a malha trabecular mais evidente  inferiormente que, com o passar dos anos, pode ocorrer uma “reversão” do pigmento e  este estar mais acumulado superiormente. 

A linha de Sampaolesi é frequentemente  observada mas não é um achado patognomônico. Podem ainda serem observadas as  linhas de Eggers e de Zentmayer que são respectivamente depósitos de pigmento na  periferia posterior e ao longo da cápsula posterior do cristalino(3).  

A conversão de pacientes com SDP para glaucoma é estimada entre 22% e 50% e tende  a ocorrer entre 15 e 20 anos do diagnóstico de SDP(2–5,12,13) . Essa conversão tende a  ocorrer mais facilmente e com maior gravidade em indivíduos do sexo masculino, alto  míopes e que contam com a presença do fuso de Krukemberg (14). 

É importante  pontuar a associação já descrita na qual pacientes com SDP tem um aumento da  dispersão pigmentar mediante a realização de exercícios físicos intensos ou de  alterações no diâmetro pupilar, o que pode, eventualmente, gerar elevações transitórias  da pressão intraocular (5)

Além do possível dano glaucomatoso a que os pacientes com SDP estão susceptíveis,  existe ainda um aumento na incidência de degeneração Lattice e de descolamento de  retina nesses pacientes (15).  

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 

O principal diagnóstico diferencial da SDP faz-se com a Síndrome de Pseudoesfoliação (PEX). Enquanto a SDP tende a se apresentar como quadros unilaterais, em pacientes  por volta da 3ª década de vida e com pigmentação homogênea na malha trabecular, a  PEX tende a ser bilateral, ocorrer em pacientes mais velhos e com uma pigmentação  irregular na malha trabecular (16).  

TRATAMENTO  

No âmbito da terapia medicamentosa, é possível atuar primariamente na diminuição da dispersão pigmentar e/ou da redução da pressão intraocular. A pilocarpina tem  ambos efeitos visto que promove miose diminuindo o contato iridozonular e aumenta a  drenagem do aquoso. 

Contudo sua utilização aumenta o risco de descolamento de  retina e pode miopizar ainda mais esses pacientes. Alternativas não mióticas que vão  atuar precipuamente na redução da PIO estão os análogos de prostaglandina,  antagonistas beta-adrenérgicos e inibidores da anidrase carbônica (12).  

Uma opção de tratamento naqueles pacientes já com glaucoma e, principalmente, com  controle clínico irregular é a trabeculoplastia seletiva a laser ou com laser de argônio.  Preconiza-se para esses pacientes a utilização de baixas potências de energia como  forma de se evitar picos de elevação da PIO após o procedimento (12,17). 

Nos casos  refratários, a cirurgia filtrante é uma opção com resposta similar às demais formas de  glaucoma de ângulo aberto(12) .  

CONCLUSÃO 

É de extrema importância realizar a gonioscopia sobretudo naqueles pacientes que  possam apresentar maior risco para dispersão pigmentar. Por sua vez, nos indivíduos com  Síndrome de Dispersão Pigmentar é imprescindível fazer um acompanhamento próximo para a detecção e tratamento precoce de uma eventual conversão para Glaucoma  Pigmentar. Dentre as diversas possibilidades de tratamento, pontua-se a  trabeculoplastia a laser como uma boa opção nesses casos.

REFERÊNCIAS 

1. Sugar HS, Barbour FA. Pigmentary glaucoma. A rare clinical entity. Am J Ophthalmol.  1949;32(1):90–2.  

2. Migliazzo C v., Shaffer RN, Nykin R, Magee S. Long-term Analysis of Pigmentary  Dispersion Syndrome and Piegmentary Glaucoma. Ophthalmology. 1986;93(12):1528– 36.  

3. Scuderi G, Contestabile MT, Scuderi L, Librando A, Fenicia V, Rahimi S. Pigment  dispersion syndrome and pigmentary glaucoma: a review and update. Vol. 39,  International Ophthalmology. Springer Netherlands; 2019. p. 1651–62.  

4. Gomez Goyeneche HF, Hernandez-Mendieta DP, Rodriguez DA, Sepulveda AI, Toledo  JD. Pigment dispersion syndrome progression to pigmentary glaucoma in a Latin  American population. J Curr Glaucoma Pract. 2015 set 1;9(3):69–72.  

5. Niyadurupola N, Broadway DC. Pigment dispersion syndrome and pigmentary glaucoma  – A major review. Vol. 36, Clinical and Experimental Ophthalmology. 2008. p. 868–82.  

6. Andersen JS, Pralea AM, Delbono EA, Haines JL, Gorin MB, Schuman JS, et al. A Gene  Responsible for the Pigment Dispersion Syndrome Maps to Chromosome 7q35-q36  [Internet]. Available from: http://archopht.jamanetwork.com/ 

7. Simcoe MJ, Weisschuh N, Wissinger B, Hysi PG, Hammond CJ. Genetic Heritability of  Pigmentary Glaucoma and Associations with Other Eye Phenotypes. JAMA Ophthalmol.  2020 mar 1;138(3):294–9.  

8. Campbell DG. Pigmentary Dispersion and Glaucoma: A New Theory. Archives of  Ophthalmology. 1979 set 1;97(9):1667.  

9. Strasser G, Hauff W. Pigmentary dispersion syndrome A biometric study. Acta  Ophthalmol. 1985;63(6):721–2.  

10. Orgul S, Hendrickson P, Flammer J. Anterior chamber depth and pigment dispersion  syndrome. Am J Ophthalmol. 1994;117(5):575–7.  

11. Alvarado JA. Outflow Obstruction in Pigmentary and Primary Open Angle Glaucoma.  Archives of Ophthalmology. 1992 dez 1;110(12):1769.  

12. Allingham RR, Danji K, Moroi S, Freedman S, Rhee D. Shield’s textbook of Glaucoma.  Sixth edition. Philadelphia, PA 19103 USA; 2011.  

13. Scheie HG, Cameron JD. Pigment dispersion syndrome; A clinical study. British Journal  of Ophthalmology. 1981;65(4):264–9.  

14. Farrar SM, Shields MB, Miller KN, Stoup CM. Risk factors for the development and  severity of glaucoma in the pigment dispersion syndrome. Am J Ophthalmol. 1989 set  15;108(3):223–9.  

15. Sampaolesi R. Amotio retinae und Pigmentdispersionssyndrom. Vol. 206, Monatsbl  Augenheilkd. 1995.  

16. Plateroti P, Plateroti AM, Abdolrahimzadeh S, Scuderi G. Pseudoexfoliation Syndrome  and Pseudoexfoliation Glaucoma: A Review of the Literature with Updates on Surgical 

Management. Vol. 2015, Journal of Ophthalmology. Hindawi Publishing Corporation;  2015.  

17. Harasymowycz PJ, Papamatheakis DG, Latina M, de Leon M, Lesk MR, Damji KF.  Selective Laser Trabeculoplasty (SLT) Complicated by Intraocular Pressure Elevation in  Eyes With Heavily Pigmented Trabecular Meshworks. Am J Ophthalmol. 2005  jun;139(6):1110–3.