A Síndrome de Ramsay Hunt ganhou destaque no dia 9 de junho de 2022, após o cantor Justin Bieber revelar, em suas redes sociais, que foi diagnosticado com a doença. Durante o vídeo, o artista tinha um dos lados de seu rosto paralisado.
Afinal, do que se trata essa doença? Qual sua causa? É grave? Tem tratamento? Pode deixar sequelas? Nesse texto, responderemos essas perguntas e nos debruçaremos um pouco mais sobre esta entidade nosológica.
O que é síndrome de Ramsay Hunt?
Conhecida como herpes zoster oticus, essa síndrome descrita por J Ramsay Hunt em 1907 é caracterizada clinicamente por paralisia facial periférica associada a bolhas dolorosas ao redor da orelha ou nos lábios. Outros sintomas também podem estar presentes, como zumbido, perda auditiva (hipoacusia), náusea, vômito, vertigem e nistagmo (movimentos oculares involuntários, rápidos e repetitivos).
Qual é a causa da síndrome de Ramsay Hunt?
Essa síndrome é causada pelo vírus Varicella Zoster (VZV). É o mesmo vírus causador da catapora (varicela) e do herpes zoster (popularmente conhecido como cobreiro). Pertencente à família dos herpesvírus, o VZV costuma infectar o ser humano durante os surtos de catapora, na maioria das vezes na infância. A catapora é uma doença popularmente conhecida, e até alguns anos atrás esperada para as crianças que começavam a frequentar creches. Porém, o que não costumamos nos atentar é que o vírus causador da catapora não é erradicado do nosso corpo após o término dos sintomas: ele fica latente no nosso organismo, silenciado, mais especificamente em determinados gânglios nervosos, sem nos causar mais problemas… até de fato sair desse período de “hibernação” e voltar a se proliferar, reativando o processo infeccioso/ inflamatório. E os sintomas desta reativação dependerão de qual(is) o(s) gânglio(s) nervoso(s) hospedados pelo vírus em seu estado inerte. Se for um gânglio sensitivo paravertebral, observaremos erupções vesiculares na pele, correspondendo a um dermátomo em específico. Por outro lado, se for o gânglio do nervo trigêmeo (5º nervo craniano), por exemplo, costumam surgir lesões no território de inervação de seu ramo oftálmico, sejam isoladamente na fronte, ou mesmo associadas a lesões oftalmológicas (herpes zoster oftálmico). Já se essa reativação acometer o chamado gânglio geniculado, relacionado ao nervo facial (7º nervo craniano), o paciente apresentará sintomas característicos de lesão deste nervo, isto é, paralisia facial – configurando a chamada Síndrome de Ramsay Hunt.
Além de não movimentarem a musculatura da face, os pacientes acometidos não conseguem fechar as pálpebras ou levantar a sobrancelha, já que o nervo facial inerva também o músculo orbicular do olho, principal agonista destes movimentos. Consequentemente, é comum este quadro resultar em ressecamento ocular, já que o piscar é essencial para mantermos os nossos olhos devidamente lubrificados. E é fundamental estarmos atentos a isso, já que o referido ressecamento pode resultar em complicações graves por comprometer a fisiologia da superfície ocular, incluindo a córnea.
Vale ressaltar que, além das fibra motoras para a musculatura esquelética da face, passam pelo gânglio geniculado fibras sensitivas e autonômicas do 7º nervo craniano.
Por isso, o paciente poderá apresentar sintomas como sensação de boca seca e disgeusia – termo utilizado para designar alterações na percepção do paladar.
Mas como justificar o zumbido, a perda auditiva, a vertigem e o nistagmo, os quais, quando relacionados a etiologia neurológica, são justificados pelo acometimento do 8º nervo craniano (nervo vestibulococlear)? Para entendermos estes sintomas, precisamos revisar brevemente a anatomia da região. O nervo facial passa, ao longo de seu trajeto, por um canal ósseo em formato de “Z”, de aproximadamente 3 cm de comprimento, presente no osso temporal e delimitado pelo meato acústico interno e pelo forame estilomastóideo. Este canal recebe o mesmo nome do nervo: Canal do nervo facial, também chamado Canal de Falópio. E dentro deste canal, tanto o nervo facial como o gânglio geniculado em si apresentam íntima relação anatômica com o nervo vestíbulococlear. Daí a inflamação na região causada pela reativação do VZV resultar em sintomas auditivos e vestibulares.
Diagnóstico
O diagnóstico da Síndrome de Ramsay Hunt é essencialmente clínico, com base nos sintomas e na história da doença. Porém, nos casos clinicamente duvidosos, exames laboratoriais que isolem o vírus VZV do conteúdo presente nas vesículas dolorosas, ou mesmo da lágrima, podem ser úteis. É o caso do conhecido exame de PCR (Polymerase Chain Reaction).
Tratamento da doença
O tratamento da doença é baseado em corticoterapia e agente antiviral, e quanto antes iniciado, maiores serão as chances do paciente apresentar boa recuperação clínica. Para ser mais preciso, um estudo retrospectivo da década de 1990 demonstrou que quando o tratamento adequado foi iniciado nos 3 primeiros dias de sintomas, a paralisia facial foi completamente resolvida em 70% dos pacientes. Porém, nos casos tratados após o 7º dia de sintomas, somente 30% dos pacientes experimentaram total resolução deste sintoma – a grande maioria ficou com sequelas motoras. Daí a importância dos pacientes buscarem pronto atendimento com seu médico de confiança, e dos médicos conhecerem a síndrome e terem o conhecimento técnico necessário para oferecerem o melhor tratamento.
Mas afinal, que tratamento é esse? Basicamente, corticoide oral para reduzir a inflamação, e aciclovir para atuar diretamente sobre o vírus. Carbamazepina pode ser utilizada em associação para aliviar os sintomas vestibulares.
O seguimento clínico dos pacientes deve ser feito após 2, 6 e 12 semanas da instituição da terapia medicamentosa. O médico pode lançar mão da escala de House-Brackmann para acompanhar a paralisia facial do paciente. Vamos conhecer esse escore?
Grau I – sem alterações
Grau II – paralisia leve
Grau III – paralisia moderada
Grau IV – paralisia moderada a grave
Grau V – paralisia grave
Grau VI – paralisia total
E existe cirurgia para essa doença? Não para a doença em si, mas para uma possível complicação ocasionada pela disfunção do piscar. Ou seja, se a incapacidade de fechar o olho do lado acometido resultar em lesões na córnea, ameaçando por conseguinte a visão do paciente, cirurgias de pálpebra (por exemplo, tarsorrafia) podem ser indicadas.
Em termos de prognóstico, o grau de sequela que o paciente poderá apresentar após resolução da infecção pode ser predito pela gravidade da paralisia no início do quadro. O percentual de resolução completa dos sintomas varia muito de estudo pra estudo. Mas, o que podemos afirmar é que os pacientes sem comorbidades como hipertensão arterial sistêmica ou diabetes, e que apresentem paralisia facial inicial grau II de House-Brackmann, apresentam melhores chances de recuperação completa, sem sequelas.
Portanto, fica a dica: cuide de sua saúde, controle sua pressão arterial e sua glicose para que, ao se deparar com esta ou quaisquer outras doenças, seu corpo consiga superá-las com maestria. E mais: cuide bastante de sua imunidade, já que sua queda representa relevante fator de risco para a reativação do vírus causador da Síndrome de Ramsay Hunt.
Referências
1. Murakami S, Hato N, Horiuchi J, Honda N, Gyo K, Yanagihara N. Treatment of Ramsay Hunt syndrome with acyclovir‐prednisone: significance of early diagnosis and treatment. Annals of neurology. 1997 Mar;41(3):353-7.
2. https://eyewiki.aao.org/Ramsay_Hunt_Syndrome_Type_2#cite_note-murakami5-5
3. Yeo SW, Lee DH, Jun BC, Chang KH, Park YS. Analysis of prognostic factors in Bell’s palsy and Ramsay Hunt syndrome. Auris Nasus Larynx. 2007 Jun. 34(2):159-64.