Diplopia (visão dupla): o que é, causas e  tratamento

Última atualização em 10 de fevereiro de 2024 por

Recentemente, recebemos a notícia da aposentadoria do jogador Fred, grande nome do futebol brasileiro, que deixou sua marca no esporte tanto a nível nacional como internacionalmente. E o principal motivo que retirou o atleta dos gramados foi a percepção de visão dupla, que chamamos, no linguajar médico, de diplopia. O que é a diplopia, afinal? O que causa essa condição? Tem tratamento? Tenho diplopia, devo me preocupar? Abordaremos essas e outras perguntas acerca do tema nas próximas linhas.

O que é visão dupla?

Diplopia é a chamada visão dupla. Trata-se da percepção simultânea de duas imagens de um mesmo objeto no campo de visão, que em alguns casos pode ser muito discreta e percebida como um embaçamento da visão, porém em outros o paciente enxerga claramente dois objetos ao invés de um só, e era exatamente esta a queixa do jogador do Fluminense.

Quais são os sintomas da visão dupla?

O paciente com diplopia, além da visão dupla, pode se queixar do embaçamento visual (como já mencionado), de confusão visual, de sintomas vestibulares como vertigem, oscilopsia (sensação de que a imagem no campo de visão está “oscilando”, movimentando), náusea, além de dor de cabeça, dor à movimentação ocular, e outros sintomas que dependerão da causa por trás do quadro. De fato, a diplopia é o sintoma, a manifestação de alguma doença oftalmológica ou neurológica que precisa ser diagnosticada e abordada, e para isso, o primeiro passo é classificarmos se a visão dupla é monocular ou binocular.

Classificação da visão dupla

A diplopia pode ser classificada como mono- ou binocular. No primeiro caso, a duplicidade de imagem se mantém mesmo mediante oclusão de um dos olhos. Ou seja, se o problema está no olho direito, ao fechar o esquerdo o paciente continuará percebendo a visão dupla. Já no caso da diplopia binocular, como o próprio nome explicita, é uma fenômeno binocular, ou seja, a queixa é resolvida ao se fechar um dos olhos; a percepção de duplicidade depende da abertura simultânea de ambos os olhos. E por que é fundamental sabermos diferenciar bem estas duas realidades clínicas distintas? Porque isso direcionará nosso raciocínio clínico em direção ao diagnóstico correto.

A diplopia monocular sinaliza uma alteração a nível ocular, e diversos diagnósticos diferenciais devem ser considerados:

  • Erro refrativo não corrigido (principalmente o astigmatismo);
  • Catarata;
  • Maculopatias (a diplopia estará nesse caso associada a metamorfopsia – percepção de imagens distorcidas, “tortuosas”);
  • Síndrome do olho seco;
  • Lente de contato mal adaptada;
  • Irregularidades na superfície corneana;
  • Ectasias corneanas como ceratocone;
  • Alterações na íris (iridodiálise, policoria, iridotomias de grande monta);
  • Opacidades vítreas
  • Diplopia/poliopia cerebral (lesão no córtex parieto-occipital)

Já se a diplopia for binocular, devemos considerar a existência de um desalinhamento do eixo visual de ambos os olhos, isto é, a imagem de um determinado objeto não está sendo focalizada em regiões retinianas correspondentes por uma questão de posicionamento ocular. Dentre as múltiplas causas, podemos citar:

  • Estrabismo essencial;
  • Trombose de artéria basilar;
  • Trombose de seio cavernoso;
  • Aneurisma de artéria comunicante posterior;
  • Dissecção de artéria vertebral;
  • Miastenia Gravis;
  • Síndrome de Lambert-Eaton;
  • Botulismo;
  • Tumor intracraniano;
  • Hipertensão intracraniana (primária ou secundária);
  • Esclerose múltipla;
  • Orbitopatia de Graves;
  • Meningite basilar;
  • Microangiopatia secundária a arteriosclerose ou diabetes mellitus;
  • Trauma cefálico comprometendo algum nervo craniano (principalmente o nervo troclear);
  • Trauma cefálico evoluindo com fratura de ossos da órbita e consequente encarceramento de musculatura ocular extrínseca.

Reparem a gama de possíveis diagnósticos que podem estar por trás de uma diplopia.

Estou com a visão dupla, e agora? Devo me desesperar depois de ler toda essa lista de diagnósticos, alguns dos quais potencialmente graves?

Na verdade, não é para se desesperar, e sim buscar ajuda. Passar por uma avaliação médica com seu oftalmologista ou neurologista de confiança para que esse profissional possa estabelecer o diagnóstico e conduzir o caso da maneira adequada.

Tratamento

O tratamento da diplopia deve ser personalizado, isto é, de acordo com a causa base e com cada paciente. Nos casos de desalinhamento dos eixos visuais sem nenhuma outro fator a ser tratado, ou seja, o estrabismo por si só após descartada ou tratada qualquer patologia associada, podemos lançar mão de abordagens conservadoras (acompanhamento clínico, óculos com prismas, etc.) ou cirúrgicas.

Paresia do nervo troclear

No caso do jogador Fred, não nos cabe ir a fundo ou expor exatamente o que estava por trás da sua diplopia. Sabemos que apresenta estrabismo (portanto, é a chamada diplopia binocular) e que necessitou de cirurgia. Porém, a título de curiosidade, vale ressaltar que atletas de alto rendimento, em esportes com riscos de traumas na região da cabeça, podem apresentar estrabismos por lesões nos nervos cranianos que inervam a musculatura responsável pela movimentação e posicionamento dos olhos.

Destes, destaca-se o nervo troclear (4º nervo craniano),  por se o mais fino e longo dos nervos cranianos (e portanto, o mais suscetível ao trauma). Ele inerva o músculo oblíquo superior, que tem como funções básicas a intorção do globo ocular (ou seja, gira o olho internamente, em torno de seu eixo longitudinal), a depressão (abaixamento, rotação do olho pra baixo) e a abdução (rotação do olho em direção à têmpora). Por isso, quem apresenta paresia (fraqueza) ou plegia (paralisia) do nervo troclear de um dos lados, o olho ipsilateral (deste mesmo lado) apresentar-se-á elevado (hipertropia) e rotacionado pra fora (em extorsão). Como um mecanismo compensatório para aliviar um pouco a diplopia, é comum o paciente que apresenta esse tipo de lesão manter uma posição viciosa de cabeça, inclinada em direção ao ombro do outro lado (contralateral). Por que isso? Porque quando inclinamos a cabeça pra um dos ombros, por exemplo, para o ombro direito, para que continuemos enxergando os objetos a nossa volta em sua posição real, o olho esquerdo faz a rotação externa em torno do seu eixo longitudinal (extorsão) e o direito faz rotação interna (intorsão). Se o olho esquerdo, por exemplo, não consegue realizar a intorsão porque seu nervo troclear está comprometido, será melhor para o paciente mantê-lo em extorsão, ou seja, com a cabeça inclinada para o ombro direito. Apresentará menos diplopia dessa maneira.

Em suma, diplopia é um mundo dentro da oftalmologia e da neurologia, e cada caso merece ser examinado. Se você sente esse sintoma, procure ajuda de um profissional médico preparado para lhe auxiliar.

Referências

  1. https://eyewiki.aao.org/Cranial_Nerve_4_Palsy#:~:text=Thus%2C%20a%20trochlear%20nerve%20palsy,away%20from%20the%20affected%20side.
  2. Iliescu DA, Timaru CM, Alexe N, Gosav E, De Simone A, Batras M, Stefan C. Management of diplopia. Rom J Ophthalmol. 2017 Jul-Sep;61(3):166-170. doi: 10.22336/rjo.2017.31. PMID: 29450393; PMCID: PMC5710033.
  3. https://wikem.org/wiki/Diplopia
https://eyewiki.aao.org/Basic_Approach_to_Diplopia