Ceratite Epitelial por Herpes simples: manifestações, diagnóstico e tratamento.

A ceratite por herpes simples é uma condição que tem um alto potencial de levar à cegueira. Dependendo da sua localização, ela é predominantemente causada pela infecção pelo vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1) e, em menor grau, pelo HSV tipo 2 (HSV-2) ou, então, por uma resposta inflamatória decorrente dessa infecção. Estes dois vírus são membros da família α-herpesvírus humano (α-HHV ) e são compostos de dupla fita de DNA. 

A infecção pelo herpes simples é altamente prevalente na população; globalmente, estima-se que 67% da população de 0 a 49 anos tenha sido exposta ao HSV 1 e 11,3% ao HSV 2 (1); O HSV-I geralmente afeta a região orofacial, enquanto o HSV-II geralmente causa infecções genitais, embora estudos tenham demonstrado que ambos os vírus podem afetar qualquer local. 

Geralmente, a infecção primária por herpes simples passa despercebida. O vírus coloniza os gânglios trigeminal (Tipo 1) ou espinhal (Tipo 2) através da viremia e torna-se latente e terapeuticamente invulnerável nesses locais. A manifestação clássica da infecção primária por HSV-1 é o herpes labial. Nos casos com envolvimento ocular, as seguintes características clínicas podem estar presentes (2): 

1 – conjuntivite folicular, geralmente monocular, que persiste por duas semanas; 

2 – adenopatia pré-auricular ipsilateral; 

3 – pequenas lesões dendríticas corneanas transitórias de início tardio, com duração de um a três dias; 

4 – vesículas, pústulas e crostas nas pálpebras e seus arredores; 

5 – conjuntivite pseudomembranosa em casos graves. 

Sob condições favoráveis, os vírus podem se reativar e se deslocar perifericamente através de um dos três ramos do nervo trigêmeo, promovendo uma infecção endógena do sistema tegumentar. 

Especula-se que os seguintes fatores de risco poderiam estar associados a uma reativação do vírus: raios ultravioleta (exposição solar), trauma, calor, estresse, menstruação, manipulação do nervo trigêmeo, doenças infecciosas e estados de imunossupressão (3). 

Quando o olho é afetado, os vírus podem seguir o seguinte caminho: nervo oftálmico, nervo nasociliar, nervos ciliares longos, nervos corneanos radiais profundos e plexo nervoso subepitelial. As manifestações clínicas decorrentes da reativação viral caracterizam o “herpes ocular recorrente”. Seus achados de acordo com a localização na córnea, são divididos em epiteliais, estromais ou endoteliais, e sua fisiopatologia categorizada em infecciosa, imunológica ou mista. Hoje, vamos discutir as manifestações oculares, diagnóstico e tratamento da ceratite epitelial por herpes simples, a forma ocular mais comumente encontrada do espectro do herpes ocular. 

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O que é ceratite epitelial por herpes simples?

A ceratite epitelial por herpes simples é a única considerada puramente infecciosa. Sua marca registrada é a presença de múltiplos pequenos dendritos epiteliais ramificados na superfície da córnea, embora muitas vezes possa se apresentar inicialmente como uma ceratite epitelial grosseira e ponteada, sendo confundida com uma ceratite viral. O dendrito do HSV possui bulbos terminais que o distinguem do pseudodendrito do herpes zoster e segue o padrão nervoso da córnea (4). 

O diagnóstico de HSV é clínico na maioria das vezes. Entretanto, exames laboratoriais estão disponíveis para confirmar o diagnóstico em casos difíceis. O teste sorológico pode ser realizado, mas geralmente não é útil na doença recorrente, pois a maioria dos adultos está infectada lateralmente com HSV. Raspados conjuntivais, amostras de citologia de impressão e raspados de lesões vesiculares na pele podem ser testados por citologia, cultura ou reação em cadeia da polimerase (PCR) para a presença de HSV (5). 

A ceratite epitelial primária do HSV geralmente se resolve espontaneamente, no entanto, o tratamento com medicação antiviral encurta o curso da doença e pode, portanto, reduzir as complicações a longo prazo. O tratamento padrão inclui a utilização de uma das seguintes drogas antivirais, todas administradas por 10-14 dias (6): 

1 – pomada oftálmica de aciclovir (3%) cinco vezes ao dia; 

2 – aciclovir 400 mg por via oral cinco vezes ao dia; 

3 – valaciclovir 500 mg por via oral duas vezes ao dia; 

4- ganciclovir 250 mg por via oral duas vezes ao dia. 

No Brasil, o aciclovir é a medicação mais comumente utilizada, pelo menor custo e pela disponibilidade no sistema público de saúde. O valaciclovir é uma pró-droga que é imediatamente convertida em aciclovir pelo metabolismo intestinal e hepático. Dentre seus benefícios, exige uma posologia menor e não contém lactose em sua formulação, o que evita desconforto intestinal em indivíduos intolerantes a ela. Por outro lado, apresenta maior custo que o aciclovir. 

Vale lembrar que os corticosteróides são totalmente contra-indicados na vigência de infecção epitelial herpética ativa. Eles não aumentam a incidência de recorrência da ceratite epitelial viral mas, se esta ocorrer, será agravada pelo seu uso, uma vez que o corticosteróide promove a replicação viral (7). 

Quando as recorrências se tornam frequentes, o ciclo vicioso precisa ser interrompido, considerando que cada episódio facilita o próximo. Para isso, pode-se administrar, em adultos, aciclovir 400 mg via oral duas vezes ao dia ou valaciclovir 500 mg via oral ao dia por um ano. 

Em crianças, a dosagem média de aciclovir é de 30 mg/kg/dia dividida em três ou mais doses por 10-14 dias. Considerando que esse medicamento está disponível no Brasil apenas em comprimidos, crianças de até 2 anos recebem meio comprimido de aciclovir (200 mg) três vezes ao dia; Crianças de 2 a 4 anos recebem um comprimido de aciclovir (200 mg) três vezes ao dia, e crianças de 4 a 12 anos recebem meio comprimido (500 mg) de valaciclovir duas vezes ao dia. Os comprimidos são triturados e misturados em suco ou substâncias pastosas, como iogurte, para melhorar a ingestão. Pacientes de 12 anos até a idade adulta recebem aciclovir (400 mg) quatro vezes ao dia ou a dose adulta de valaciclovir (2). 

Como o aciclovir é eliminado principalmente pelos rins, as dosagens usuais só devem ser modificadas em pacientes com insuficiência renal grave. 

O prognóstico da ceratite epitelial por HSV geralmente é bom, mas varia muito dependendo da gravidade, da imunocompetência do paciente e do número de recorrências da doença. 

Em um próximo texto, falaremos sobre outras formas de manifestação ocular decorrentes da infecção por herpes. Ficou com alguma dúvida em relação à ceratite epitelial herpética? Deixe suas dúvidas nos comentários que responderemos com prazer! 

Referências: 

1. Looker KJ, Magaret AS, May MT, et al. Global and Regional Estimates of Prevalent and Incident Herpes Simplex Virus Type 1 Infections in 2012. PLoS One. 2015;10(10):e0140765. Published 2015 Oct 28. doi:10.1371/journal.pone.0140765 

2. Faria-e-Sousa, Sidney Júlio and Antunes-Foschini, Rosalia. Herpes simplex keratitis revisited. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia [online]. 2021, v. 84, n. 5 [Accessed 18 March 2022], pp. 506-512. Disponível em: 

<https://doi.org/10.5935/0004-2749.20210082>. Epub 14 July 2021. ISSN 1678-2925. https://doi.org/10.5935/0004-2749.20210082. 

3. Arshad S, Petsoglou C, Lee T, Al-Tamimi A, Carnt NA. 20 years since the Herpetic Eye Disease Study: Lessons, developments and applications to clinical practice. Clin Exp Optom. 2021;104(3):396-405. doi:10.1080/08164622.2021.1877531 

4. Harris KD. Herpes Simplex Virus Keratitis. Home Healthc Now. 2019;37(5):281-284. doi:10.1097/NHH.0000000000000791 

5. Subhan S, Jose RJ, Duggirala A, et al. Diagnosis of herpes simplex virus-1 keratitis: comparison of Giemsa stain, immunofluorescence assay and polymerase chain reaction. Curr Eye Res. 2004;29(2-3):209-213. doi:10.1080/02713680490504911 

6. White ML, Chodosh J. Herpes Simplex Virus Keratitis: A Treatment Guideline. AAO Compendium of Evidence-Based Eye Care; 2014. Disponível em: http:// www.aao.org/clinical-statement/herpes-simplex-virus-keratitis-treatment- guideline. [Acessado em 18 de março de 2022] 

7. Freitas, Denise & Alvarenga, Lênio & Hofling-lima, AL. Ceratite Herpética. Arquivos Brasileiros De Oftalmologia, 2001; vol. 64. doi: 10.1590/S0004-27492001000100016.