Gonioscopia: O que é este exame, como é feito e qual a sua importância.

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Dentre toda a propedêutica oftalmológica, um dos exames mais valiosos – e talvez mais subestimados – é, sem dúvidas, a gonioscopia. Através do exame gonioscópico pode-se estudar com detalhes a anatomia do seio camerular, somando informações vitais para o diagnóstico e direcionamento terapêutico do paciente. A primeira descrição de um

Sumário

Dentre toda a propedêutica oftalmológica, um dos exames mais valiosos – e talvez mais subestimados – é, sem dúvidas, a gonioscopia. Através do exame gonioscópico pode-se estudar com detalhes a anatomia do seio camerular, somando informações vitais para o diagnóstico e direcionamento terapêutico do paciente.

A primeira descrição de um exame do ângulo iridocorneal foi feita pelo grego Alexios Trantas (que dá nome aos nódulos de Horner-Trantas) em 1907, ao indentar com o dedo a córnea de um paciente com ceratoglobo. A alteração corneana anatômica do paciente permitia, por meio da indentação, a visualização do seio camerular, normalmente impossível de se estudar por visualização direta, devido ao princípio de reflexão interna total. Mais tarde, em 1914, motivado a suplantar tal dificuldade, Maximilian Salzmann criou a primeira lente de contato que possibilitava a visualização do ângulo. A partir dele, diversas lentes foram aperfeiçoadas, permitindo avanços no diagnóstico e tratamento de pacientes com glaucoma.

As lentes especiais utilizadas atualmente são divididas entre goniolentes, que permitem visualização direta do ângulo, como as de Koeppe, Hoskins-Barkan e Swan-Jacobs; e os gonioprismas, que utilizam espelhos para visualização, como as lentes de Goldmann, Ritch, Zeiss, Posner e Sussman. Existe ainda uma divisão referente à possibilidade de realizar a manobra de indentação, devido à área de contato da lente ser menor do que o diâmetro corneano. Tal manobra é importante para a diferenciação entre o fechamento angular por simples aposição da íris sobre o ângulo ou pela presença de goniossinéquias, que por vezes impossibilitam a visualização das estruturas anatômicas posteriores mesmo com a abertura forçada pela pressão.

Ao realizar o exame é importante atentar-se ao correto posicionamento e conforto do paciente, bem como à iluminação da sala (de preferência escura) e a utilização de feixe de luz estreito na lâmpada de fenda, evitando a constrição pupilar e falseamento da análise.

Através do exame de gonioscopia podem-se visualizar diversas estruturas anatômicas que orientam a avaliação e classificação do ângulo camerular. De posterior para anterior, são identificados (em um ângulo aberto): íris, banda do corpo ciliar, esporão escleral, malha trabecular, linha de Schwalbe e periferia da córnea.

A íris deve ser avaliada desde a margem pupilar, que pode, por exemplo, mostrar depósitos sugestivos de pseudoesfoliação. É importante atentar à presença de anomalias como nevos, tumores, atrofia e pigmentação anormal na superfície iriana. Quanto ao aspecto curvado, a convexidade anormal é verificada no bloqueio pupilar, enquanto a concavidade é vista na síndrome de dispersão pigmentar e na síndrome da retração iriana. O aplanamento e descaracterização das marcas normais da íris, bem como a alteração da coloração, estão presentes na iridociclite heterocrômica de Fuchs. Já na síndrome de íris em platô os rolos mais periféricos da íris são mais proeminentes, causando fechamento angular

A banda do corpo ciliar é visível no espaço imediatamente anterior à inserção da íris. Essa estrutura pode variar em espessura, sendo mais larga em olhos míopes ou afácicos, e estreita ou invisível em hipermétropes. A avaliação da banda do corpo ciliar é particularmente importante para a diferenciação entre os quadros de recessão angular traumática e ciclodiálise. Na primeira ocorre separação entre as fibras longitudinais e circulares do corpo ciliar, podendo haver aumento da pressão intraocular secundariamente em cerca de 9% dos casos, enquanto na ciclodiálise há ruptura entre o corpo ciliar e o esporão escleral, de forma que há comunicação com espaço supracoroideo e por vezes hipotonia.

Acima da banda de corpo ciliar encontra-se o esporão escleral, menos pigmentado. É a região de sustentação das fibras longitudinais do músculo ciliar. Em seguida podemos observar a malha trabecular, que se divide em anterior (menos pigmentada) e posterior (mais pigmentada). Quando a pressão venosa episcleral supera a pressão da câmara anterior, o refluxo de sangue é visível no canal de Schlemm ao nível do trabeculado posterior. A pigmentação do ângulo tende a aumentar com a idade e diversas condições podem acelerar esse processo, como cirurgias, traumas, tumores, crises de fechamento angular, hifema e as síndromes de pseudoexfoliação e de dispersão pigmentar. A deposição de pigmentos pode se dar anteriormente à linha de Schwalbe formando a linha de Sampaolesi, que não é específica de nenhuma patologia.

A linha de Schwalbe corresponde ao limite periférico da membrana de Descemet, identificável pelas linhas formadas anterior e posteriormente de um feixe paralelepípedo com inclinação de 15º com foco na córnea. Avalia-se a pigmentação, espessura e variações de deslocamento anterior, como ocorre no embriotoxo posterior que, embora presente em cerca de 10% dos olhos normais, pode estar relacionado a síndromes como a de Axenfeld.

Na avaliação gonioscópica é essencial diferenciar goniossinéquias, que são mais sólidas e podem avançar sobre os marcos anatômicos não uniformemente entre os quadrantes, dos processos normais irianos, de aspecto rendilhado que respeitam a curvatura do ângulo. Ademais, os vasos irianos, de disposição radial ou circunferencial em serpentina, devem ser diferenciados dos neovasos, que se apresentam desordenadamente em aspecto arboriforme e por vezes avançam o esporão escleral.

O seio camerular apresenta diversas classificações que levam em conta seu grau de fechamento e pigmentação, contorno da íris e abertura à indentação, como os sistemas de Scheie, Schaffer e Spaeth. Entretanto, devido à complexidade de mensuração e subjetividade de alguns pontos de avaliação, ultimamente tende-se à adoção de classificações mais objetivas como a descrição das estruturas visíveis ao exame e suas alterações em relação à normalidade.

Dessa forma, podemos notar a riqueza de informações que um exame de gonioscopia bem realizado pode fornecer, o que o torna essencial à prática clínica do oftalmologista, independente da especialização em glaucoma. O estudo do ângulo iridocorneano é primordial para o entendimento da anatomia ocular do paciente, bem como dos processos fisiológicos e patológicos decorrentes de possíveis alterações, sendo a gonioscopia a forma mais simples, barata e detalhada para tal. É, portanto, indispensável em todas as áreas da oftalmologia e insubstituível por outros exames subsidiários.

Gonioscopia: O que é este exame, como é feito e qual a sua importância.

Figura 1. Exame de gonioscopia sem alterações significativas evidenciando ângulo aberto com visualização da banda do corpo ciliar e processos irianos normais. Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Frederico Novaes – Escola Paulista de Medicina, UNIFESP

Gonioscopia: O que é este exame, como é feito e qual a sua importância.

Figura 2. Exame de gonioscopia evidenciando recessão angular em paciente com história de trauma ocular. Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Frederico Novaes – Escola Paulista de Medicina, UNIFESP

Referências:

  1. Glaucoma – Basic and Clinical Science Course 2019-2020, American Academy of Ophthamology.
  2. Color Atlas of Gonioscopy. ALWARD, Wallace L.M.; LONGMUIR, Reid A. American Academy of Ophthalmology, 2017.

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