Toxoplasmose ocular: o que é, repercussões clínicas e tratamento

A principal causa de uveíte posterior no Brasil é a toxoplasmose ocular, doença que pode cursar com graves sequelas oftalmológicas, como perda importante da visão. É causada por um protozoário intracelular obrigatório, o Toxoplasma gondii, e a prevalência da infecção aumenta com a idade, sendo mais frequente na segunda e terceira décadas de vida.

Protozoário causador da toxoplasmose (Toxoplasma gondii)

A prevalência da doença é maior em área tropicais, e em condições precárias de higiene e saneamento básico. No Brasil, varia de 50 a 83%, sendo os maiores valores encontrados no Pará, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, e menores na Bahia. De acordo com trabalhos previamente publicados, a prevalência de cicatrizes maculares varia entre cerca de 7% em São Paulo e Belo Horizonte, e 12% no Espírito Santo.

O agente etiológico existe em três formas evolutivas: taquizoíta, também conhecida como forma proliferativa, presente durante fase aguda da infecção; bradizoíta, presente na forma crônica dentro dos chamados cistos, e, por fim, os oocistos contendo esporozoítos, formados no intestino de gatos e eliminados junto a suas fezes.

Os felídeos são os hospedeiros definitivos do T. gondii, sendo o homem e outros animais hospedeiros intermediários. A infecção se inicia com o contato com taquizoítas presentes na urina, leite e perdigotos, ou através da ingestão de carne crua com taquizoítas ou cistos com bradizoítas.

Gestantes podem transmitir a doença para o feto (toxoplasmose congênita) via transplacentária mediante primoinfecção, ou no caso de imunodepressão grave. Dos casos congênitos, 70% a 90% desenvolvem doença ocular sob a forma de retinocoroidite, em comparação com 10% a 12% da infecção. A chance de transmissão transplacentária é maior quando a infecção ocorre no terceiro trimestre de gestação. Porém, quanto menor a idade gestacional – ou seja, quanto mais precoce o desenvolvimento embrionário – mais grave é a manifestação fenotípica da doença.

A manifestação mais característica da toxoplasmose congênita é a famosa tétrade de Sabin: hidrocefalia ou microcefalia, calcificações intracranianas, retinocoroidite e retardo mental, entre outras manifestações neurológicas como meningismo, paralisias, convulsões, distúrbios respiratórios e dificuldade na sucção.

Já na forma adquirida da toxoplasmose, a principal apresentação é subclínica, sendo responsável por 70% dos casos. Apenas 30% dos casos são sintomáticos, com manifestações clínicas gerais, tais como odinofagia, mal-estar geral, febre, exantema maculopapular, entre outras. Este quadro é em geral autolimitado, de evolução benigna e resolução espontânea dentro de 2 a 4 semanas.

Em se tratando de toxoplasmose ocular, cabe ressaltar a importância fisiopatológica da doença, visto que o T. gondii atinge o olho através da corrente sanguínea, como parasitos livres ou dentro de leucócitos circulantes.

Em determinadas situações, a depender tanto de fatores do hospedeiro (imunológicos, nutricionais e metabólicos) como do parasito (genótipo), inicia-se a formação de cistos teciduais no olho ou em outros tecidos, com pouca ou nenhuma atividade inflamatória ao redor. Estes cistos podem persistir por toda vida sem provocar manifestações patológicas, assim como podem sofrer roturas intermitentes e causar recorrência da infecção.

A apresentação clínica da toxoplasmose ocular varia com a faixa etária da pessoa acometida. Crianças podem buscar o oftalmologista com queixas de redução da acuidade visual, estrabismo, nistagmo ou leucocoria. Já adolescentes e adultos, além de baixa acuidade visual, podem queixar-se de “moscas volantes”, dor ocular e hiperemia conjuntival quando há acometimento do segmento anterior. A redução da acuidade visual pode ser secundária à turvação ou opacificação dos meios óptico, ou a infecção direta do toxoplasma na região macular, causando edema e destruição tecidual.

No estudo do segmento posterior, observam-se dois tipos de lesões: ativa ou cicatricial. A lesão ativa inicialmente mostra-se como uma retinite, podendo estender-se para camadas intra-retinianas, poupando camadas mais externas. A lesão típica é a retinocoroidite granulomatosa focal necrosante, e o primeiro sinal que ela pode manifestar é exsudato branco-amarelado, de limites mal definidos. A lesão pode ser única, múltipla ou associada a outra pré-existente (lesão satélite).

Cicatriz de retinocoroidite por toxoplasmose

A pigmentação da lesão ocorre após um período variável de tempo, a depender da cepa do parasito, do estado imunológico do hospedeiro, do tamanho da lesão e do tratamento instituído. A cicatrização ocorre da periferia para o centro, em camadas sucessivas na retina, coroide e esclera.

A retinocoroidite satélite é patognomônica de toxoplasmose, e é caracterizada por uma lesão ativa ao lado de outra já cicatrizada. Isto ocorre devido o fato dos parasitas se reencistarem na margem da lesão durante o processo de remissão, e posteriormente haver rompimento dos cistos, levando a reativação da doença. 

O diagnóstico da toxoplasmose ocular é essencialmente clínico, a partir da detecção de lesões fundoscópicas características. Porém, exames complementares podem ser de grande auxílio, dentre os quais vale destacar os testes sorológicos. O anticorpo IgM já está em circulação na primeira semana após infecção, servindo de marcador de fase aguda. Já o anticorpo IgG surge após as primeiras duas semanas de infecção, e seu título se mantem detectável ao longo da vida.

Em indivíduos imunocompetentes, a retinite por toxoplasmose apresenta curso auto-limitado, com resolução espontânea dentro de 1 a 2 meses. Porém, devemos lançar mão de tratamentos específicos em alguns casos, proporcionando resolução mais célere da doença. O tratamento clássico consiste no uso de Pirimetamina, Sulfadiazina e Ácido folínico. O uso de corticoides está indicado em casos de reação inflamatória intensa, devendo ser prescrito após 48h do início da terapia antimicrobiana.  Sulfametoxazol-trimetoprima, associado ou não a prednisona, pode ser utilizado como alternativa ao esquema clássico. Em pacientes alérgicos a sulfa, clindamicina ou azitromicina podem ser utilizadas.

Em estudos descritos na literatura, as taxas de recorrência da toxoplasmose ocular variam entre 40% e 78%, sendo a maioria na faixa etária de 15 a 45 anos de idade. O risco de recorrência acima dos 45 anos é baixo (5% – 12%).

A toxoplasmose ocular pode causar complicações clinicamente relevantes, como catarata, edema macular, glaucoma secundário, iridociclite crônica, ceratopatia em faixa, atrofia óptica secundária ao comprometimento de nervo óptico, vasculite retiniana, oclusões vasculares, periflebite, esclerite e descolamento de retina. Por isso, faz-se de suma importância o diagnóstico precoce e tratamento adequado a fim de se evitar potenciais sequelas irreversíveis que impactem negativamente a qualidade de vida do indivíduo acometido.

Referências:

Borges, R.T.; Correa, D. F.; Neto, P. D.B.; Rocha, L. B.; Araújo, F. M. S.; Sousa, B. A. Toxoplasmose e suas repercussões oftalmológicas – uma revisão. Rev Med Saude Brasilia 2017; 6(2):261-9.

Muccioli, C.; Silveia, C.; Belfort JR., R. Toxoplasmose Ocular. In: SOUZA, W., and BELFORT JR., R., comp. Toxoplasmose & Toxoplasma gondii [online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2014, pp. 181-196. ISBN: 978-85-7541-571-9.

Oférice, F.; Costa, J.L.O.R.A.; Freitas, C. Toxoplasmose. In: Oférice, F.; Costa, J.L.O.R.A.; Freitas, C. Uveítes 4ª ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2016. p145-172.