Conjuntivite Viral: o que é, sintomas, causas e diagnóstico

A Conjuntivite Viral é uma entidade de etiologia muito vasta, sendo uma das principais queixas de atendimentos oftalmológicos. Os olhos podem ficar vermelhos por traumas, coçaduras, infecções, glaucoma, reação a colírios, alergias, olho seco e por centenas de outras causas, que variam de causas simples e sem grandes consequências até doenças potencialmente graves que podem inclusive levar à cegueira se diagnosticadas tardiamente ou tratadas inadequadamente. Dessa forma, é sempre importante a avaliação de um oftalmologista, que poderá distinguir entre as possíveis causas e realizar o manejo adequado, minimizando possíveis complicações.

Dentre as causas de olho vermelho, a conjuntivite é provavelmente a mais famosa e corriqueira. No entanto, conjuntivite é um termo amplo, que define a inflamação do tecido conjuntival (a parte mais superficial do “branco do olho”), tendo diversas possíveis etiologias. Estas vão desde inflamações idiopáticas – ou seja, sem causa aparente definida – passando por doenças inflamatórias, vasculares, alérgicas e até infecciosas. Ainda dentro destas últimas, variados microrganismos podem ser causadores, sendo importante sua diferenciação para o direcionamento do tratamento.

As conjuntivites virais são o tipo mais comum de conjuntivite infecciosa, representando 80% destas. Muitos vírus podem causar conjuntivite, destacando-se os adenovírus, enterovírus, coxsackie, poxvírus e herpes. Em geral, causam reação folicular na conjuntiva, que embora seja muito inespecífico, ajuda inicialmente a afastar outros diagnósticos.

2. Quais vírus podem causar conjuntivite?

2.1   Adenovírus

Esse é o principal responsável pela conjuntivite viral aguda. Em geral aparece nos dois olhos e é altamente contagiosa. Sua transmissão ocorre por contato direto ou indireto com secreção conjuntival de pessoas com infecção viral ativa. É importante tomar cuidado e sempre higienizar bem as mãos, pois o vírus pode sobreviver em superfícies inertes como maçanetas, utensílios de uso pessoal e até em piscinas. O diagnóstico é clínico de forma geral, uma vez que o raspado conjuntival e o exame de PCR são pouco disponíveis. Há vários sorotipos de adenovírus, que podem se manifestar de diferentes maneiras no olho. As duas principais são:

A)      Ceratoconjuntivite epidêmica

Forma mais comum, é causada em geral pelos sorotipos 8, 11, 19 e 37. Causa olho vermelho com lacrimejamento, prurido e sensação de areia nos olhos, com bastante secreção clara. Pode ainda evoluir com inchaço das pálpebras, pequenas hemorragias subconjuntivais (pontos vermelhos no “branco” do olho) e até pseudomembranas, que representam a adesão da secreção no epitélio inflamado e devem ser retiradas para não evoluírem com complicações, como o simbléfaro, que ocorre pela cicatrização da conjuntiva formando uma aderência anômala nos tecidos externos oculares.

Cerca de metade dos casos é bilateral, e os sintomas são mais intensos em geral na primeira semana, sendo normal uma discreta piora a partir do terceiro dia. Muitas vezes há aumento dos linfonodos (linfonodomegalia) na região anterior às orelhas.

Além das complicações secundárias à criação de pseudomembranas, uma possível complicação é o aparecimento de infiltrados subepiteliais, que são depósitos de linfócitos, fibrose e colágeno, sem vírus em replicação ativa. Esses podem evoluir causando sintomas de sensação de corpo estranho no olho por conta do defeito no epitélio corneano e até piora da visão, dependendo da sua extensão e localização. Cerca de metade dos pacientes que apresentam infiltrados corneanos pela conjuntivite na fase aguda terão a permanência e evolução dessas lesões.

B)      Febre faringoconjuntival

Nessa forma de doença, além dos sintomas oculares é comum o aparecimento de faringite (cursando com dor de garganta), sintomas febris, dor de cabeça e febre. Em geral, apesar do quadro sistêmico ser mais evidente, os sintomas oculares são mais leves e com menos chance de evolução com complicações. Os sorotipos envolvidos mais frequentes são 3, 4 e 7.

Em ambas as formas, o tratamento é semelhante, baseado em medidas gerais de higiene ocular, compressas frias e uso de lubrificantes, uma vez que o quadro é autolimitado. Em geral, o uso de antibióticos não é necessário. Em caso de complicações como pseudomembranas e infiltrados subepiteliais, o tratamento com corticosteroides tópicos e antibióticos pode ser necessário. Não há evidência científica que outras medicações como antialérgicos, anti-inflamatórios e antissépticos diminuam o tempo de sintomas, gravidade do caso ou risco de complicações, sendo o seu uso optativo de acordo com a experiência do médico oftalmologista, que analisará caso a caso. Em casos refratários de opacidades subepiteliais, tratamentos como a ceratectomia fototerapêutica (PTK) à laser podem ser utilizados.

2.2   Enterovírus e coxsackie

São os principais causadores da conjuntivite hemorrágica aguda. Embora não sejam específicos desse subtipo, em geral causam um quadro mais exuberante de sangramentos na conjuntiva que tendem a assustar pela evolução rápida, embora o acometimento corneano e outras complicações sejam raros. A reação folicular conjuntival é mais branda que na conjuntivite por adenovírus. Por serem patógenos extremamente contagiosos, a conjuntivite hemorrágica aguda apresenta-se frequentemente em surtos em países tropicais, em especial em creches e escolas.

2.3   Molusco contagioso ou Poxvírus

Apesar do nome, o molusco contagioso é na verdade um vírus altamente contagioso e relativamente comum em crianças, que se apresenta clinicamente de forma típica como pequenas lesões arredondadas elevadas com borda avermelhada e conteúdo líquido (pápulas), contendo uma depressão central (umbilicação). É comum também em pacientes com lesões crônicas dermatológicas como dermatite atópica e pode ocorrer de forma disseminada em imunocromprometidos.

Como aparecem em qualquer lugar do corpo e causam coceira, é comum a evolução com aumento da área e número de lesões, uma vez que há autoinoculação com o contato do vírus presente no líquido no interior das pápulas com a pele adjacente, ao coçar e romper as lesões.

Da parte oftalmológica, é comum o aparecimento das lesões nas pálpebras e região periocular, em menor número, mas que podem causar conjuntivite pelo contato das partículas virais liberadas na superfície ocular ao coçar. 

Classicamente, o tratamento ocorre por meio da retirada das lesões, crioterapia (aplicação de baixas temperaturas para congelar a lesão diretamente) e curetagem, embora recidivas não sejam incomuns. Pode-se usar medicações tópicas adjuvantes. É importante o acompanhamento frequente integrado entre oftalmologista e dermatologista.

2.4   Covid-19

Diversos casos de covid cursando com conjuntivite foram relatados na literatura mundial, sendo a manifestação ocular mais comum do coronavírus. O vírus foi isolado na lágrima e há convicção de que o contato com a secreção lacrimal dos indivíduos acometidos pode ser fonte de contágio.

Há estudos de meta-análise que mostram até 5% de acometimento ocular em paciente com COVID, com possível associação com casos de maior gravidade. Entretanto, apesar do rigor científico, a maioria dos estudos foi realizada com pacientes de grupos homogêneos, principalmente na China, sem forte correlação estatística. Isso, somado ao fato de que os mecanismos patogênicos do coronavírus ainda não são totalmente conhecidos e ao surgimento de diversos subtipos, acaba por impossibilitar análises que se estendam à população mundial.

Ainda assim, o tratamento é realizado com sintomáticos e, recentemente, algumas terapias estão sendo aprovadas pelos órgãos reguladores para casos graves de alto risco. Não há evidência de benefício do uso de colírios antivirais para o tratamento de conjuntivite por covid-19.

2.5   Monkeypox

A recente epidemia de monkeypox causou alarde nos órgãos de saúde pública em todo o mundo. Há relatos de acometimento ocular pelo vírus e o Brasil é um dos principais centros de estudo das alterações do órgão visual pela doença que costumou-se chamar de Varíola dos Macacos, embora o termo esteja caindo em desuso. 

A doença até o momento de confecção desse texto (dezembro de 2022) é mais comum em homens que fazem sexo com homens e os estudos mais recentes apontam que a vacinação contra varíola confere certa proteção. É comum que haja lesão palpebral vesicular típica concomitante, embora a incidência dessas lesões e do acometimento ocular seja muito variável entre as publicações. O acometimento corneano também é notável, cursando com lesões nodulares e ulcerativas tanto na conjuntiva como na córnea que podem apresentar evolução rápida.

O tratamento padrão sistêmico é realizado com tecovirimate (Tpoxx), com bons resultados, apesar da possibilidade de opacidade cicatricial em casos mais graves, com imunossupressão ou demora para o início do tratamento. 

O uso de colírios específicos como trifluridina também tem mostrado bons resultados relatados, embora maiores estudos sejam necessários. É aconselhável também o uso de colírios lubrificantes sem conservantes com alta frequência e a avaliação da necessidade de profilaxia antibiótica de infecções secundárias. Deve-se manter acompanhamento conjunto com infectologista e dermatologista.

2.6   Outros vírus

Além dos vírus citados acima, diversos outros podem também causar conjuntivite. Em geral, não é necessária a realização de exames complementares para identificação exata do vírus ou de sua cepa, uma vez que o tratamento inicial é semelhante para a maioria deles. 

Além dos citados, destaca-se o herpes vírus, que pode causar mais frequentemente ceratite (acometimento da córnea), bem como outras inflamações como blefarite e uveíte.

3. Perguntas frequentes

Posso pegar conjuntivite viral mais de uma vez?

Como a conjuntivite viral pode ser causada por diferentes tipos de vírus, que por sua vez têm diversos sorotipos, contrair conjuntivite uma vez não impede que o quadro apareça novamente no futuro. Por isso manter a boa higiene das mãos e evitar tocar a região do rosto e dos olhos é essencial para a prevenção.

Fui ao oftalmologista que “só” prescreveu lubrificantes. estou correndo risco?

As conjuntivites virais, em geral, são autolimitadas (ou seja, o próprio sistema imune do corpo é que combate o vírus) e não há colírios específicos para o seu tratamento, nem drogas que provadamente diminuam a chance de complicações. 

Assim, em geral, o primeiro tratamento é com sintomáticos e medidas de higiene gerais, sem necessidade de outras medicações, que podem inclusive prolongar o tempo de sintomas e predispor a outras complicações graves como infecções secundárias.

Quanto tempo devo me afastar por conta da possibilidade de transmissão?

Em geral, há transmissão até o quinto a sétimo a partir do início dos sintomas, mas esse tempo é muito variável de acordo com cada caso. Por isso, a avaliação de um especialista é importante não só para o tratamento e acompanhamento, mas também para as recomendações e afastamento de forma a diminuir a chance de contaminação de outras pessoas.

O médico me disse que eu estou com pseudomembranas. preciso voltar nos retornos? por que são tão próximos?

A pseudomembrana é uma complicação que pode ocorrer devido à aderência da secreção no epitélio da conjuntiva, ou seja, na parte mais externa do tecido que reveste o olho e as pálpebras internamente. 

Mesmo após a retirada mecânica, tendem a se formar novamente em poucos dias. Se não tratadas adequadamente com colírios e remoção periódica, podem complicar com a formação de simbléfaro, uma aderência anormal entre os tecidos oculares que pode causar olho seco severo, defeitos no piscar e alterações estéticas. 

Assim, ao ter o diagnóstico dessa complicação, é sim importante o acompanhamento de perto e o seguimento das orientações médicas à risca.

Por que o corticoide não é recomendado inicialmente, se ele é tratamento para complicações?

Os corticoesteroides tópicos em forma de colírio podem diminuir a ação local do sistema imune e aumentar a replicação viral. Assim, não estão indicados inicialmente pelo risco de piora do quadro, complicações e aumento do tempo de doença. 

No entanto, quando há complicações em virtude do intenso processo inflamatório, deve-se analisar o custo-benefício do uso desses medicamentos, sendo uma boa opção de tratamento em casos complicados.

Quando devo ir a um oftalmologista?

Se o seu olho está vermelho e coçando ou doendo, é importante passar por avaliação especializada, uma vez que embora as conjuntivites sejam uma grande causa, existem centenas de doenças potencialmente graves que podem se apresentar inicialmente com sintomas parecidos aos de uma conjuntivite comum. 

Tais doenças, se tratadas incorretamente ou se houver demora para o início do acompanhamento, podem levar a complicações gravíssimas e irreversíveis, inclusive perda da visão. Inclusive, o uso de colírios indiscriminadamente pode levar à piora mais rápida nesses casos.

Posso pingar colírios com vasoconstritores (como fenilefrina e nafazolina) para conjuntivite?

Esses colírios não são recomendados, pois além de não trazerem benefícios, acabam gerando dependência uma vez que o efeito de diminuição do calibre dos vasos sanguíneos da superfície ocular que causa o clareamento e branqueamento do olho é fugaz, com vasodilatação e aumento da vermelhidão em resposta. 

Além disso, esses colírios podem levar a complicações de isquemia (falta de sangue e oxigenação dos tecidos oculares), sendo contraindicados na maioria das vezes.

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É necessário parar o uso de lentes de contato?

Em geral, é recomendada a suspensão do uso das lentes de contato durante o quadro de conjuntivite viral, bem como a substituição destas, por conta do risco de complicações como prolongamento dos sintomas, contaminação do outro olho na manipulação, ceratites, entre outros. Exceções podem ser consideradas caso a caso, de acordo com a avaliação de seu médico oftalmologista.

Posso ficar cego por conjuntivite?

A cegueira por conjuntivite viral é extremamente rara, ainda mais se tratada da forma correta. A baixa de visão por complicações como infiltrados subepiteliais é discreta e tratável. A pseudomembrana, outra complicação abordada, só leva à cegueira se não tratada e evoluindo com simbléfaro grave. Ainda assim, vale repetir: nem todo olho vermelho é conjuntivite! Embora ficar cego por conjuntivite não seja comum, outras causas de irritação nos olhos e vermelhidão podem sim levar à cegueira.

4. Conclusão

Nesse texto ficou evidente que os olhos podem ficar vermelhos por diversas causas, sendo uma das principais justamente a conjuntivite viral. Ela pode ser causada por diversos vírus, que têm suas peculiaridades e foram abordados em sua maioria nesse texto. 

O herpes vírus é uma importante causa de conjuntivite com acometimento corneano e das pálpebras, porém merece uma discussão à parte pela sua extensão, diversidade e complexidade de apresentações. Vimos que, em geral, o tratamento inicial é com sintomáticos e o quadro tende a se resolver em poucas semanas, embora possíveis complicações possam acontecer. 

Por isso, se apresentar sintomas parecidos com os que foram abordados nesse texto, é essencial procurar seu oftalmologista para ter uma avaliação completa e tratamento adequados, evitando problemas maiores e garantindo a saúde ocular de qualidade!

REFERÊNCIAS:

1.   The Wills Eye Manual : Office and Emergency Room Diagnosis and Treatment of Eye Disease. Philadelphia :Lippincott, 1994.

2.   Massachusetts Eye and Ear Infirmary Review Manual fo Ophthalmology, 4th ed.

3.   Nogueira, Pedro Antonio et al. Ocular manifestations of monkeypox: a case report. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia [online]. 2022, v. 85, n. 6 [Accessed 2 December 2022], pp. 632-635. Available from: <https://doi.org/10.5935/0004-2749.2022-0281>. Epub 04 Nov 2022. ISSN 1678-2925. https://doi.org/10.5935/0004-2749.2022-0281.

4.   Bunge EM, Hoet B, Chen L, Lienert F, Weidenthaler H, Baer LR, et al. The changing epidemiology of human monkeypox-A potential threat? A systematic review. PLoS Negl Trop Dis. 2022;16(2):e0010141.