A enxaqueca e os olhos: qual a relação entre eles

Alterações visuais e sintomas oculares são manifestações frequentes da enxaqueca e muitas vezes, o primeiro médico a ser procurado é o oftalmologista. A enxaqueca é uma condição clínica que afeta 15% da população mundial, acometendo principalmente indivíduos entre 22 e 55 anos, e que frequentemente começa durante a infância ou puberdade. Afeta três vezes mais as mulheres do que os homens e apresenta caráter hereditário, ou seja, é transmitida de pais para filhos, sendo considerada uma condição genética. 

O início dos sintomas da enxaqueca pode ser súbito ou apresentar uma fase chamada prodrômica, na qual o paciente apresenta sinais e sintomas que precedem o início da crise como, por exemplo, cansaço, depressão, euforia, irritabilidade, desejo por determinados alimentos, constipação intestinal, sensação de peso na cabeça, sensibilidade aumentada à luz, sons e cheiros. Ainda nessa fase prodrômica podem ocorrer sintomas neurológicos, denominados de aura e que muitas vezes cursam com alterações visuais. 

A fotofobia e a aura visual são os sintomas oftalmológicos mais comumente associados à crise de enxaqueca. A primeira compreende um quadro clínico marcado por sensibilidade importante à luz, desconforto ocular e exacerbação da dor de cabeça provocada pela luz. Geralmente acomete os dois olhos, e pode afetar a percepção visual e de cores. 

A aura, por sua vez, é caracterizada por sintomas diversos que se desenvolvem gradualmente e podem ser classificados como positivos, quando há um ganho de função, ou negativos, quando há perda de função. Os sintomas de aura mais comuns são luzes cintilantes – também chamadas de escotomas cintilantes –, adormecimento ou sensação de formigamento em face e/ou mãos, tremores, perda de força muscular e dificuldade para falar palavras, também chamada de afasia. 

Especificamente sobre a aura visual, sua apresentação costuma ser variada, desde os já citados escotomas cintilantes, até luzes em zigue-zague, borramento visual, luzes coloridas e visão “em caleidoscópio”. Muitos indivíduos sabem que terão uma crise de enxaqueca após experimentarem algum tipo de aura. É importante 

salientar que a aura tipicamente acomete os dois olhos de um indivíduo prestes a ter uma crise de enxaqueca. 

As crises de enxaqueca duram em média quatro a 72 horas e apresentam-se como dor unilateral, de caráter pulsátil ou latejante, agravando-se com atividades físicas. Pode ser acompanhada por náuseas e vômitos, fotofobia, fonofobia, lacrimejamento, ptose, aumento da frequências urinária e diarreia, alodinia – aumento da sensação dolorosa cutânea –, déficit de atenção, dificuldade em encontrar palavras e, em alguns casos, pode cursar até com amnésia. Em muitos casos, a dor costuma localizar-se na região frontal, sendo frequentemente confundida com dor nos olhos. 

Estudos revelam que a enxaqueca é uma condição clínica que envolve várias áreas do nosso cérebro, as quais regulam funções autonômicas, afetivas, cognitivas e sensoriais, como por exemplo o centro da visão, localizado no lobo occipital. Além disso, durante a crise de enxaqueca ocorrem modificações estruturais e químicas no cérebro chamadas de depressão cortical generalizada. Nesse processo, as células do córtex cerebral são hiperestimuladas, alterando a produção de várias substâncias, principalmente da serotonina, um neurotransmissor que estimula o sistema trigeminovascular, responsável pelo controle dos vasos sanguíneos cerebrais, levando a um edema desses vasos. Esse edema leva à compressão de estruturas neuronais adjacentes causando dor, além de “forçar” o sangue a passar através de um espaço menor do que o normal. 

Após essa atividade cerebral intensa, ocorre um “desligamento”, uma diminuição de atividade cerebral em diversas áreas, e uma delas é o córtex visual, a região do cérebro responsável pela visão. Todas essas modificações bioquímicas e funcionais podem levar a alterações visuais, comumente descritas pelos pacientes durante e após uma crise de enxaqueca. 

Existe ainda uma relação entre enxaqueca e olho seco que é uma condição que afeta uma porção significativa da população com prevalência estimada entre 7,4 a 33,7%. O olho seco é uma doença multifatorial do filme lacrimal e da superfície ocular que resulta em alterações visuais, dor, sensação de areia nos olhos e lacrimejamento. O exato mecanismo que relaciona a enxaqueca ao olho seco não é totalmente claro, porém sabemos que a inflamação associada ao ressecamento ocular é marcada pelo aumento de substâncias pró-inflamatórias, como a proteína C reativa e as interleucinas. O aumento dessas moléculas causa inflamação de nervos, nesse caso o nervo trigêmeo, que tem importante papel na fisiopatologia da enxaqueca. Esse nervo tem três ramos e um deles, o ramo oftálmico, inerva várias estruturas do olho humano. 

Além da enxaqueca clássica, existe a enxaqueca ocular ou migrânea ocular que afeta diretamente a visão do indivíduo acometido causando cegueira em um dos olhos por um curto período de tempo; geralmente menos de uma hora. Essa é uma condição rara, cuja causa ainda não é bem compreendida pelos especialistas. Acredita-se que esteja relacionada a espasmos dos vasos sanguíneos da retina e/ou alterações nas células nervosas retinianas. 

A enxaqueca é uma doença que acomete o sistema nervoso central e pode levar a diversos sintomas visuais. Sendo assim, se você ou alguém que você conhece, experimentar alguma alteração na visão, procure o seu oftalmologista de confiança!