Lâmpada de Fenda: para que serve e como utilizar?

A lâmpada de fenda, ou biomicroscópio, é um dos aparelhos mais completos e fundamentais para se obter quando se está equipando um consultório oftalmológico. Fazendo um paralelo algo jocoso, porém bastante útil neste contexto, este equipamento é como aquelas estações de musculação onde se trabalha a musculatura dorsal, peitoral, membros inferiores, ombro, etc. Ou seja, é um verdadeiro dispositivo “multi-uso”, afinal, com ele o médico consegue avaliar com minúcias a superfície ocular e seus anexos (conjuntiva, córnea, pálpebras, cílios, filme lacrimal), estruturas mais internas do segmento anterior (humor aquoso, íris, pupila, cristalino), assim como o segmento posterior (humor vítreo, retina e nervo óptico).

Além disso, na lâmpada de fenda é possível aferir a pressão intraocular (PIO) do paciente, fazer exames complementares como gonioscopia, e realizar pequenos procedimentos como retirada de corpo estranho, de ponto cirúrgico, dentre outros. Neste artigo, discutiremos de que é composta a lâmpada de fenda, e como utilizá-la da melhor maneira possível.

Composição da lâmpada de fenda

Sem saber do que se trata uma lâmpada de fenda, você até pode aprender a utilizar suas funções básicas pela experiência de manuseio. No entanto, nosso intuito com este texto é fazer nossos leitores dominarem as múltiplas funções desse aparelho, e fazerem o melhor uso possível deste que é, como já exposto, um dos instrumentos mais importantes para um exame oftalmológico completo. Afinal, o que é a lâmpada de fenda?

A lâmpada de fenda nada mais é do que um aparelho composto por três sistemas ópticos independentes: um de iluminação, um de magnificação e um mecânico, de focalização (Figura 1). O primeiro, de iluminação, consiste em uma fonte de luz – lâmpada incandescente convencional, composta por filamento de tungstênio e mistura de gases inertes, ou lâmpada halógena –, associada a lentes condensadoras e diferentes filtros que possibilitam a passagem de comprimentos de onda específicos, ou que reduzem a intensidade da luz transmitida (ex: filtro aneritra ou red-free, filtro de cobalto, e filtro de luz e de calor). Há ainda um diafragma regulável que permite ao examinador optar desde uma luz difusa até feixes luminosos em formato de fenda (o que dá o nome ao aparelho), com diferentes comprimentos e espessuras.

A inclinação do sistema também é variável, e é possível ainda rotacionar a fenda, colocando-a em sentido vertical, horizontal ou oblíquo, o que é útil tanto para se realizar medições diversas, como para se visualizar estruturas anatômicas específicas com o auxílio de lentes acessórias (ex.: seio camerular e periferia retiniana). No sistema de iluminação, encontramos também dois espelhos, um longo em formato de raquete – mais utilizado, principalmente na avaliação do segmento anterior do globo ocular –, e um curto em formato triangular, utilizado para visualização do segmento posterior mediante angulação ≤ 10∞ entre o sistema de iluminação e o microscópio. A função dos espelhos é basicamente direcionar o feixe luminoso oriundo da fonte de luz para o objeto estudado (Figura 2).


Figura 1. Sistemas que compõem a lâmpada de fenda. (A) Sistema de iluminação; (B) Sistema de magnificação; (C) Sistema de focalização

Figura 2. Sistema de iluminação. (A) Haste do comando de filtros. Na figura, encontra-se posicionado no filtro de luz azul de cobalto; (B) Haste para controle da rotação e altura da fenda; (C) Espelho para direcionamento do feixe luminoso; (D) Parafuso centralizador para acoplar/desacoplar os sistemas de iluminação e magnificação; (E) Dispositivo para controle da largura da fenda, com escala de valores; (F) Trava para inclinação do sistema de iluminação; (G) Ponteira do tonômetro de aplanação de Goldmann, acoplado à lâmpada de fenda.

O sistema microscópico ou de magnificação possibilita visão estereoscópica binocular através de lentes magnificadoras oculares (com aumento fixo de 10x) e objetivas (com aumentos variados: 6x, 10x, 16x, 25x e 40x). Além disso, um sistema interno de primas permite reduzir a distância entre as lentes oculares e a objetiva (Figura 3).


Figura 3. Sistema de magnificação. (A) Dispositivo para ajuste da distância interpupilar do examinador; (B) Dispositivo para alteração do aumento da lente objetiva (6x, 10x, 16x, 25x ou 40x); (C) Lentes oculares (com aumento fixo de 12,5x); (D) dispositivo para ajuste da dioptria da lente ocular, de acordo com a dioptria do examinador.

Ao manusearmos o parafuso centralizador do sistema de iluminação, é possível acoplar ou desacoplar os dois sistemas referidos acima. Esta manobra faz-se necessária quando queremos obter tipos de iluminação específicos, principalmente as indiretas (campo negro, campo amarelo, reflexo vermelho, etc.). Desacoplar o sistema de iluminação do microscópico nada mais é do que realizar uma leve angulação horizontal no primeiro, fazendo com que eles não fiquem mais no mesmo eixo de observação; ao contrário, os raios de luz passam a ficar quase paralelos em relação eixo de observação pelo sistema de magnificação. 

Finalmente, o sistema de focalização dá suporte aos demais sistemas, possibilitando visualização otimizada a partir do controle do foco. Este sistema é composto basicamente pela base (ajuste grosseiro), pelo joystick (ajuste fino), pela trava da base e pela cremalheira.

Figura 4. Sistema de focalização. (A) Cremalheira; (B) Trava da base; (C) Joystick; (D) Dispositivo para controle da intensidade do feixe luminoso; (E) Base.

Como utilizar a lâmpada de fenda

Ao manusearmos o parafuso centralizador do sistema de iluminação, é possível acoplar ou desacoplar os dois sistemas referidos acima. Esta manobra faz-se necessária quando queremos obter tipos de iluminação específicos, principalmente as indiretas (campo negro, campo amarelo, reflexo vermelho, etc.). Desacoplar o sistema de iluminação do microscópico nada mais é do que realizar uma leve angulação horizontal no primeiro, fazendo com que eles não fiquem mais no mesmo eixo de observação; ao contrário, os raios de luz passam a ficar quase paralelos em relação eixo de observação pelo sistema de magnificação.

 Finalmente, o sistema de focalização dá suporte aos demais sistemas, possibilitando visualização otimizada a partir do controle do foco. Este sistema é composto basicamente pela base (ajuste grosseiro), pelo joystick (ajuste fino), pela trava da base e pela cremalheira.

A lâmpada de fenda é geralmente posicionada em mesa apropriada, sendo a elétrica mais prática por permitir regulagem direta da altura de todo o sistema. De fato, o primeiro passo para o exame biomicroscópico é o posicionamento do paciente – e do médico –, de modo que ambas as partes estejam confortáveis. O conforto do paciente interfere diretamente em sua colaboração ao exame, e a ergonomia do médico predirá se ele “sobreviverá” ao final de um longo dia de atendimentos. A cadeira mocho, com altura ajustável por alavanca ou sistema giratório, também apresenta utilidade no posicionamento adequado. 

Além disso, a posição da cabeça do paciente é um detalhe do exame que não pode ser negligenciado. Existe uma regra básica: queixo do paciente encostado no copo, e testa encostada na cinta superior (“queixo embaixo, testa na frente”). Esta parte da lâmpada que comporta a cabeça do paciente apresenta ainda, em sua porção lateral, marcações que devem ser alinhadas à fissura interpalpebral do paciente. Isso é fundamental para termos boa amplitude na variação da posição vertical do aparelho (eixo y), regulada a partir da rotação do joystick da mesa sobre seu próprio eixo. De fato, ao modificarmos a altura do sistema, conseguimos examinar com tranquilidade não só a superfície ocular, como também os anexos (pálpebras, cílios e região periorbitária), assim como realizar uma boa biomicroscopia de fundo e aferir a PIO sem dificuldades.

Próximo passo do exame: verificar se a dioptria das lentes oculares estão de acordo com a dioptria do examinador. Este passo é importante para otimizarmos nossa estereopsia e visualizarmos de maneira mais detalhada a estrutura ocular que estamos examinando. Em seguida, podemos ligar o sistema de iluminação para direcionar o feixe de luz condensada, seja sob a forma difusa (usada em geral no início do exame para termos uma ideia geral da superfície ocular, assim como avaliar cílios e pálpebras), seja na forma de fenda (para melhor estudarmos detalhes do tecido corneano, da câmara anterior, do cristalino, do vítreo anterior e do fundo de olho).

A largura do feixe de luz é ajustável por um parafuso específico situado na lateral inferior do sistema de iluminação, e desse modo optamos pela iluminação difusa ou focal em fenda (paralelepípedo ou corte óptico). Já a altura do feixe pode ser regulada girando-se a chamada haste para controle da rotação e altura da fenda e para interposição do filtro azul entorno de seu próprio eixo. Próximo a esta, na parte superior do sistema de iluminação, podemos escolher entre os diversos filtros, variando a posição da haste do comando de filtros.

Utilize o filtro cinza (filtro de luz) ou o filtro de absorção de calor para diminuir o desconforto do seu paciente, caso ele se queixe de fotofobia ou não consiga colaborar com o exame por mecanismo reflexo de fechamento palpebral. Lançamos mão da luz azul de cobalto após instilar solução de fluoresceína sódica 1% no(s) olho(s) examinado(s), seja para avaliarmos a PIO através do tonômetro de Goldmann (aplanação), seja para estudarmos a qualidade do filme lacrimal ou avaliarmos a integridade do tecido corneano. Já a luz verde aneritra é bastante útil na avaliação de estruturas do fundo de olho como o nervo óptico e sua escavação, os vasos retinianos e a camada de fibras nervosas peripapilar. 

Finalmente, estruturas do segmento posterior como a retina e o nervo óptico também devem ser examinados durante exame biomicroscópico, etapa esta que denominamos biomicroscopia de fundo. Para tal, entre os sistemas de iluminação e magnificação acoplados, e o objeto visualizado (olho do paciente), interpomos uma lente acessória pré-corneana cujo poder dióptrico pode variar entre +60D e +90D. Desta forma, geram-se imagens reais e invertidas das estruturas observadas, porém com boa resolução e estereopsia, possibilitando ao examinador estuda-las de forma detalhada.

Esse é o princípio básico da composição e funcionamento da lâmpada de fenda, instrumento essencial para um exame oftalmológico completo. Esperamos que este texto lhe tenha sido útil. Se tiver comentários ou sugestões, não hesite em nos contactar.