Os tumores melanocíticos da conjuntiva podem ser vistos com alta frequência na prática clínica oftalmológica, sobretudo quando estamos falando das lesões benignas (como o nevo e a melanose racial). Entretanto, devido à elevada gravidade e mortalidade que envolvem os tumores melanocíticos malignos, é essencial ter atenção ao examinar as lesões e nunca negligenciar os diagnósticos diferenciais.
Os nevos são lesões planas ou pouco elevadas, circunscritas e bem delimitadas. Costumam surgir na conjuntiva bulbar interpalpebral perilimbar, mas também podem aparecer na carúncula ou em outros sítios (locais menos típicos, como fórnice e conjuntiva tarsal, devem aumentar o índice de suspeição para os outros diagnósticos diferenciais).
Geralmente surgem na infância e podem apresentar discreto aumento de tamanho e pigmentação (sobretudo durante a puberdade, levando inclusive a dúvida diagnóstica). Clinicamente, um achado típico, é a presença de cistos de inclusão epitelial na lesão – clássico sinal de benignidade. O diagnóstico torna-se mais difícil quando há ausência de pigmentação – são os chamados nevos amelanóticos, que podem ser conduzidos da mesma forma.
Os nevos devem ser acompanhados clinicamente, idealmente com fotodocumentação seriada, já que 5% dos melanomas advêm de um nevo. Quando submetidos à biópsia, podemos classificá-los em nevos juncionais (lesão confinada a junção epitélio-estroma), subepiteliais/estromais (não há componente juncional, a lesão está apenas no estroma) e compostos (combinação do juncional com o subepitelial; é o subtipo mais comum).
Tumores melanocíticos: entenda os principais diagnósticos
Melanose Racial
A melanose racial é uma lesão benigna, sem potencial de malignização. Surge em indivíduos melanodérmicos devido ao aumento de pigmento nos melanócitos morfologicamente normais. São lesões planas, bilaterais, perilimbares e circunferenciais, que costumam tornar mais evidentes as paliçadas de Vogt. Essas lesões também podem ser apenas acompanhadas/observadas.
Melanocitose Ocular Congênita
A melanocitose ocular congênita é uma condição congênita que afeta mais frequentemente negros, hispânicos e asiáticos. Apresenta-se de forma unilateral e tem três variantes clínicas: 1) a melanocitose ocular, que corresponde a presença de nevos azulados na episclera profunda e esclera; 2) a melanocitose dermal, que acomete a pele periorbitária; 3) a melanocitose oculodermal (nevo de Ota), que é a combinação da melanocitose ocular e da melanocitose dermal.
Clinicamente, podemos diferenciar essas lesões oculares através da mobilização da conjuntiva. Por serem lesões profundas (episclerais e esclerais), quando mobilizamos a conjuntiva, essas lesões não se movimentam, diferente do que ocorre com os nevos por exemplo.
Há associação entre a melanocitose ocular congênita com aumento da pigmentação trabecular e glaucoma pigmentar-like, tumores melanocíticos na órbita e meninges do nervo óptico e ao melanoma uveal. Não estão relacionadas ao melanoma de conjuntiva.
Melanose Primária Adquirida (PAM)
A melanose primária adquirida (PAM) é uma lesão caracteristicamente plana, difusa, hiperpigmentada, sem cistos de inclusão epitelial. Geralmente unilateral e localizada na conjuntiva bulbar interpalpebral perilimbar, mas também pode ser encontrada na superfície da córnea, fórnice e conjuntiva tarsal. Geralmente afeta indivíduos caucasianos de meia idade.
A melanose adquirida secundária tem características semelhantes, porém está associada a condições sistêmicas como: doença de Addison, radiação, gestação ou outra lesão conjuntival (geralmente epitelial).
Existem alguns fatores de mal prognóstico, são eles: grande extensão da lesão (maior que 3 horas), multifocalidade, sítios atípicos (carúncula, fórnice, conjuntiva tarsal, córnea), idade avançada e história de melanoma cutâneo.
A literatura é controversa quanto à possibilidade de observar ou necessidade de biopsiar tais lesões. Na presença de algum fator de mal prognóstico, o procedimento cirúrgico é recomendado. A biópsia pode ser excisional ou incisional em múltiplas pequenas áreas.
A análise histopatológica é necessária para diferenciação do PAM com atipia do PAM sem atipia, já que são lesões indistinguíveis clinicamente. O PAM sem atipia é constituído por melanócitos normais contidos na camada basal do epitélio e pode ser apenas observado, já que apresenta potencial pequeno de malignização. Entretanto, o PAM com atipia necessita de conduta intervencionista.
O PAM com atipia é composto por melanócitos com alterações citológicas e morfológicas (padrão epitelioide); apresenta disseminação pagetoide (acomete todo o epitélio) e deve ser submetido a exérese cirúrgica com margem de segurança, associado a crioterapia. Podemos também associar quimioterapia adjuvante com mitomicina nesses casos. Cerca de metade dos PAM com atipia apresenta transformação maligna para melanoma de conjuntiva, sendo então a principal lesão associada ao surgimento desse melanoma.
Melanoma de Conjuntiva
Finalmente, quando falamos de melanoma de conjuntiva, estamos falando de uma lesão tipicamente nodular/elevada, pigmentada, pouco móvel e bastante vascularizada. Como os nevos, também pode se apresentar de forma amelanótica, o que dificulta o diagnóstico clínico.
Epidemiologicamente, afeta mais indivíduos do sexo feminino, caucasianas, entre a 4ª e 7ª década de vida. São menos comuns que os melanomas uveais, porém estão associados a alta gravidade (mais semelhante ao melanoma cutâneo nesse aspecto). A taxa de mortalidade geral nesses casos é de 15-30%.
O local mais comum é na conjuntiva bulbar. Os locais atípicos (fórnice, carúncula, conjuntiva tarsal e margem palpebral) estão associados a pior prognóstico.
A maioria dos melanomas de conjuntiva advêm de um PAM com atipia (50-70%), porém também podem surgir de um nevo (5%). Os outros casos (25%) surgem sem identificação de uma lesão predisponente, são os chamados melanomas conjuntivais “de novo”.
A investigação de disseminação sistêmica é fundamental. Diferente dos melanomas uveais (que costumam apresentar metástase hematogênica), a principal forma de disseminação do melanoma de conjuntiva é por via linfática, tornando imperativo a avaliação dos linfonodos, sobretudo das cadeias pré-auricular e parotídea.
Quando a doença está restrita ao olho, sem invadi-lo, a conduta ideal é realização de biópsia excisional com margem de segurança através da técnica “no touch”, associada a crioterapia das margens. Podemos associar tratamento adjuvante com mitomicina. O acompanhamento por longo período é preciso devido ao risco de recidivas. Casos avançados podem necessitar de enucleação ou até exenteração.
A avaliação histopatológica pode identificar diferenciação fusiforme ou epitelioide e a análise imuno-histoquímica diferencia dos tumores epiteliais através dos marcadores específicos. O aumento do número de figuras de mitose e a profundidade da lesão são fatores prognósticos relevantes.
REFERÊNCIAS
- American Academy of Ophthalmology. 2020-2021 Basic and Clinical Science Course – External Disease and Cornea.
- American Academy of Ophthalmology. 2020-2021 Basic and Clinical Science Course – Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors.