Tumores Epiteliais da Glândula Lacrimal

Você já ouviu falar em “ptose em S”? É um sinal semiológico que sugere aumento do volume dos tecidos da glândula lacrimal ou adjacentes. Quando associados à evolução aguda, sinais flogísticos (sinais inflamatórios) e febre, pensamos em dacrioadenite; entretanto, quando a tal ptose em S surge em pacientes adultos ou idosos, na ausência de sinais inflamatórios, com curso mais insidioso, podemos estar diante de um quadro preocupante – como infiltração de desordens linfoproliferativas ou tumores epiteliais da glândula lacrimal.

         Além da ptose em S, o aumento do volume da glândula lacrimal pode gerar distopia nasal-inferior, limitação da motilidade ocular e consequente diplopia. Essas alterações estão ainda mais relacionadas às entidades neoplásicas.

Exames de imagem podem nos ajudar na diferenciação etiológica desses casos. Quadros inflamatórios e associados a desordens linfoproliferativas cursam com expansão difusa da glândula lacrimal, sem indentar o globo ocular ou erodir estruturas ósseas. Já os tumores epiteliais cursam com crescimento de massas globulares isoladas, indentação do globo ocular e erosão óssea.

Principais tumores epiteliais da glândula lacrimal

Os principais tumores epiteliais da glândula lacrimal são: adenoma pleomórfico, carcinoma adenoide cístico e adenocarcinoma pleomórfico.

Adenoma Pleomórfico

O adenoma pleomórfico é o mais comum (cerca de 50% de todos os tumores epiteliais da glândula lacrimal). Trata-se de um tumor misto benigno, pouco mais comum em homens que em mulheres e geralmente surge entre a 4ª e 5ª década de vida. É um tumor pseudoencapsulado, de crescimento lento, e os pacientes não costumam se queixar de dor.

Histologicamente, apresenta uma pseudocápsula fibrosa e compreende uma mistura de elementos epiteliais e estromais derivados dos ductos da glândula lacrimal. O componente epitelial tende a formar ninhos ou túbulos celulares; já o componente estromal é mixoide e pode conter tecido cartilaginoso e até ósseo (por degeneração óssea do tumor). 

A imuno-histoquímica do componente epitelial é positiva para queratina e para EMA (antígeno epitelial de membrana). Na presença de tecido mio-epitelial, também podemos ter positividade para actina, miosina, fibronectina e S-100.

O tratamento do adenoma pleomórfico consiste na excisão completa do tumor, sem comprometer a sua pseudocápsula. Transformação maligna pode ocorrer em tumores não tratados após longos períodos ou após excisões incompletas (como uma biópsia incisional, por exemplo). 

A transformação maligna pode gerar adenocarcinoma pleomórfico (mais típico) ou carcinoma adenoide cístico. Clinicamente, a transformação maligna é caracterizada por crescimento rápido do tumor, por vezes associado a dor (por comprometimento dos nervos sensitivos presentes na órbita), após período de quiescência relativa.

Carcinoma Adenoide Cístico

O carcinoma adenoide cístico, como citado acima, pode surgir a partir de um adenoma pleomórfico. Entretanto, o mais comum é que seja uma lesão de novo (surge na ausência de lesão precursora). É mais comum em mulheres geralmente em torno dos 40 anos de idade.

Diferente do adenoma pleomórfico, é uma lesão maligna, sem pseudocápsula, que costuma cursar com comprometimento dos nervos sensitivos orbitários de forma precoce – sendo dor uma queixa frequente dos pacientes.

Histologicamente, o tumor pode crescer de formas diversas: cribriforme (mais comum), basaloide (pior prognóstico), comedogênico, esclerosante e tubular/ductal. A imuno-histoquímica é positiva para S-100, queratina e actina. Expressão dos genes BCL-2 e  BAX estão relacionados a melhor prognóstico, enquanto a expressão do p53 está relacionada a pior prognóstico.

A realização de quimioterapia intra-arterial é possível. Entretanto, a maioria dos pacientes necessita de cirurgias agressivas. A ausência de cápsula/pseudocápsula dificulta a excisão cirúrgica e, muitas vezes, exenteração é necessária com radioterapia adjuvante.

Adenocarcinomas Pleomórficos

Os adenocarcinomas pleomórficos são tumores muito semelhantes histologicamente aos adenomas pleomórficos, porém apresentam áreas de malignidade no interior do tumor (geralmente, adenocarcinomas pouco diferenciados). 

Eles geralmente surgem a partir do próprio adenoma pleomórfico que não foi tratado ou que teve sua pseudocápsula comprometida, sem a completa excisão do tumor inicial – como explicado anteriormente.

         Como os carcinomas adenoides císticos, por se tratar de uma lesão maligna, a maior parte dos casos evolui para exenteração e radioterapia adjuvante.

         É importante salientar que pacientes com adenocarcinoma pleomórfico ou carcinoma adenoide cístico da glândula lacrimal são pacientes graves! O benefício em relação a sobrevida da exenteração não foi provado até hoje, já que a extensão perineural para o sistema nervoso central e até metástases a distância não são incomuns.

Conclusão

         Conhecer esses tumores é um papel fundamental do oftalmologista. O que não podemos perder de vista baseia-se essencialmente em dois pontos: evitar biópsias incisionais de adenomas pleomórficos e preferir excisões completas, já que há risco de transformação maligna; bem como ter consciência da gravidade dos casos malignos, agir com agressividade e encaminhar para especialista experiente sempre que não se sentir apto, para melhor condução do paciente.

REFERÊNCIAS

1.  American Academy of Ophthalmology. 2020-2021 Basic and Clinical Science Course – Oculofacial Plastic and Orbital Surgery.

2.  American Academy of Ophthalmology. 2020-2021 Basic and Clinical Science Course – Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors.