Glaucoma congênito: sintomas, tratamentos e cuidados para evitar a cegueira

Chamamos de congênitas as doenças que estão presentes desde o nascimento. O glaucoma congênito é aquele que se apresenta na ausência de condições oculares adquiridas ou não, e que leva a um aumento da pressão e, consequentemente, do tamanho do globo ocular, que por ser elástico ainda, em função da idade, acaba cedendo. Alterações no desenvolvimento das estruturas de drenagem do olho determinadas por fatores genéticos são as responsáveis pelo aumento da pressão ocular.

A doença pode se manifestar no momento do parto, nos primeiros anos de vida ou até mesmo de maneira tardia, sendo a dos primeiros meses de vida a apresentação mais frequente. Sem tratamento, o glaucoma congênito geralmente leva à cegueira por lesão do nervo óptico, ao crescimento excessivo do globo ocular e ocasionalmente à cicatrização da córnea, que pode ganhar um aspecto esbranquiçado. Alguns casos, porém, podem se manifestar de maneira frustra, com a pressão normalizando-se sem qualquer intervenção e deixando sequelas de grau variável, que não pioram ao longo do tempo.

Glaucoma Infantil

O glaucoma congênito é a forma mais comum de glaucoma infantil*. É uma doença rara, que afeta aproximadamente 1 a cada 30000 crianças no mundo ocidental, mas esse número pode ser até dez vezes maior em populações com altos níveis de consanguinidade (por exemplo, algumas etnias ou locais onde muitas crianças são fruto de relacionamentos entre indivíduos com parentesco de sangue).

Embora seja uma doença pouco comum, responde por um número desproporcionalmente elevado de casos de cegueira. O glaucoma congênito afeta mais meninos que meninas, e entre 50 a 75% dos casos atinge os dois olhos.

A maioria dos casos é esporádica, mas quando hereditária geralmente segue um padrão chamado de autossômico recessivo, o que significa que os dois pais têm que ser portadores da alteração genética, explicando o fato da doença ser mais frequente em grupos com alta consanguinidade, onde tais genes têm mais chance de se encontrar. 

Porém, nem todos os filhos de dois pais portadores vão desenvolver a doença, o risco aproximado é de 50% para ser portador e de 25% para de fato adoecer, por isso irmãos de pacientes doentes devem ser testados para afastar a possibilidade de apresentar formas silenciosas da enfermidade.

Se o caso for esporádico e não relacionado com consanguinidade, o risco de uma segunda criança ser afetada para esse casal é muito menor.

Cuidados e Prevenção

Não existe prevenção para o glaucoma congênito, mas pais com crianças diagnosticadas podem fazer exame genético para avaliar o risco de ter uma segunda criança afetada.

Sintomas e Diagnóstico

A doença tem efeitos importantes no desenvolvimento físico e mental, no futuro laboral e na qualidade de vida do paciente e da sua família; desta forma, o diagnóstico precoce é fundamental para manter a visão.

A apresentação clássica é uma criança com espasmo das pálpebras, lacrimejamento e fotofobia (irritabilidade em presença de luz), de um ou dos dois lados. Os olhos afetados podem apresentar córneas esbranquiçadas, com estrias que acompanham um padrão específico (visualizado apenas com aparelhos especiais), ou simplesmente de tamanho aumentado, fato que é mais fácil de ser detectado quando a doença atinge um único olho: o comprimento do olho é maior do que o esperado para a idade, e o aspecto do ângulo (estrutura interna onde acontece a drenagem do humor aquoso) e a pressão ocular podem ou não estar alterados.

Não é necessário cumprir todos os critérios para fechar o diagnóstico de glaucoma congênito.

Criança com buftalmo e opacificação corneana secundários a glaucoma congênito
Criança com buftalmo e opacificação corneana secundários a glaucoma congênito. (Autor: Michalgoback; https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Buphthalmus.jpg)

À diferença do adulto que comparece ao consultório e geralmente colabora bem com o exame oftalmológico, a avaliação da criança apresenta desafios particulares, principalmente com os mais novos: o exame deve ser feito sob sedação, o que idealmente envolve a presença de uma equipe de anestesia, de preferência familiarizada com a técnica de exame, e o local deve possuir os aparelhos necessários para um exame oftalmológico completo (os utilizados para visualizar as estruturas do olho e para aferir as dimensões do olho e pressão ocular), atentando-se inclusive para os custos e riscos próprios da sedação. Eventualmente, pode ser necessário o deslocamento da família para outra cidade ou estado para que haja o acesso ao atendimento especializado.        

Algumas crianças podem ser avaliadas no consultório e podem ter a pressão aferida enquanto dormem ou mamam. Conforme crescem, a colaboração melhora. Novos aparelhos introduzidos no mercado brasileiro recentemente facilitam muito tal medição. 

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Tratamento

O tratamento do glaucoma congênito geralmente é cirúrgico e tem o intuito de estabilizar a pressão ocular e preservar a visão.  À diferença do glaucoma adulto, que é tratado principalmente com colírios e laser, sendo abordado cirurgicamente somente em casos especiais, no glaucoma congênito a cirurgia é sempre a primeira opção.

As técnicas tradicionais de cirurgia de glaucoma em crianças garantem estabilidade e controle da pressão em aproximadamente 80% dos pacientes por 5 anos. O sucesso da cirurgia tende a ser maior quando realizada no primeiro ano de vida. Parte do sucesso da cirurgia está relacionado com a idade do paciente, daí a importância do diagnóstico precoce e da celeridade no processo de execução do tratamento definitivo.

Mesmo após atingir a estabilidade da pressão ocular, o glaucoma congênito pode apresentar piora funcional, por isso o acompanhamento deve incluir exames que avaliem a função visual e não apenas a pressão ocular.

Efeitos do Glaucoma Congênito e Outras Recomendações

Os efeitos do glaucoma no tamanho do olho ou na transparência da córnea podem causar ambliopia, que é a baixa visão decorrente de um desenvolvimento anormal. A reabilitação visual é fundamental nos primeiros anos de vida, muitas vezes é feita com óculos de grau alto e uso de tampão para garantir que os olhos que já conseguiram tratar adequadamente o glaucoma, atinjam o máximo potencial visual.

Não há exercícios nem recomendações alimentares específicas para prevenir ou ajudar no tratamento do glaucoma. A princípio, crianças com glaucoma não devem usar os colírios que os adultos com glaucoma usam, de fato, alguns deles se utilizados em bebês podem levar a reações graves, inclusive com risco de morte. A recomendação de usar colírios para o tratamento do glaucoma em crianças somente deve ser feita pelo oftalmologista em casos especiais após uma cuidadosa avaliação de risco e benefício.

Conclusão

O Brasil possui renomados especialistas em glaucoma infantil, muitos deles trabalhando nos hospitais universitários vinculados ao SUS. Os procedimentos diagnósticos e tratamentos para o glaucoma congênito (e os outros tipos de glaucoma infantil) estão garantidos no Sistema Único de Saúde e possuem previsão expressa no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, o que significa que qualquer criança no Brasil tem garantida a avaliação e tratamento da doença. Resta aos pais e clínicos ou pediatras encaminharem crianças com sintomas suspeitos para um serviço especializado, e logo! 

Referências e Bibliográfia

*Conforme a mais recente classificação adotada pela comunidade médica em 2013, o termo glaucoma infantil reúne diferentes condições congênitas ou adquiridas que levam ao preenchimento de pelo menos dois dos seguintes cinco critérios: pressão ocular aumentada, alteração do cumprimento (tamanho do globo ocular), alteração do campo visual, alterações da cabeça do nervo óptico e a presença de alterações específicas da córnea ou diâmetro aumentado em pacientes menores de 18 anos.

Diversas condições podem levar a dito quadro clínico, algumas derivadas de quadros sistêmicos (que afetam o corpo todo) e outras apenas limitadas ao olho, inclusive podem ser secundárias à cirurgia de catarata (congênita), trauma, uso de medicações que aumentam a pressão ocular, inflamação, etc.  

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